Amândio, o nosso campeão da Europa

Monte Frio, 06 Junho 2011

No passado sábado, durante o intervalo do jogo Portugal-Noruega, disputado no Estádio da Luz, em Lisboa, dirigentes da Federação Portuguesa de Futebol homenagearam a primeira equipa portuguesa a sagrar-se campeã da Europa, há precisamente cinquenta anos. Muitos pensavam que esse feito histórico pertenceria à equipa do Benfica, treinada por Bela Guttmann, que venceu o Barcelona (3-2), na final de Berna (Suíça), em 31 de Maio de 1961… também há meio século. Mas não. A primeira equipa portuguesa a conquistar um título europeu foi a selecção nacional de juniores, treinada pelo famoso José Maria Pedroto, na sua estreia como treinador. Na final do campeonato da Europa, disputada em 8 de Abril de 1961, no antigo Estádio da Luz, Portugal goleou a Polónia, por 4-0 (4 golos de Serafim), feito inédito, que encheu de orgulho os apaniguados adeptos do futebol.

Era a primeira vez que um campeonato de futebol da UEFA se realizava em Portugal. Para a competição vieram as selecções de França, Itália, Bélgica, Holanda, Inglaterra, Grécia, Espanha, Turquia, Roménia, Áustria, Alemanha e Polónia. O presidente da UEFA, Sir Stanley Rous, foi recebido pelo Ministro da Educação, Leite Pinto, e pelo Secretário de Estado, Baltasar Rebelo de Sousa. O público e a selecção portuguesa assumiram a responsabilidade de promoverem belas jornadas, com bancadas repletas, muita juventude, muita animação. Assim aconteceu em Braga, Coimbra, Évora, Leiria, Porto (Estádio das Antas) e Lisboa (Estádios do Restelo, de Alvalade e da Luz).

O percurso triunfal da equipa portuguesa começou, no Estádio das Antas, com um empate (0-0) diante da poderosa Itália, equipa favorita, onde pontificava Mazzola. Depois, Portugal-França, 3-1, no Estádio 28 de Maio, em Braga. Seguiu-se o Portugal-Inglaterra, 4-0, e, nas meias-finais, o Portugal-Espanha, 4-1, ambos no Estádio José Alvalade. Por fim, a jornada de consagração, Portugal-Polónia, 4-0, no Estádio da Luz.

Nessa equipa de campeões jogavam: Rui, Melo, Amândio, Moreira, Mira, Rodrigues, Nogueira, Carriço, Oliveira Duarte, Crispim, Jorge, Serafim, Nunes, Peres e Simões. Recordamos aqui esta efeméride pelo prazer de dar a conhecer o nosso campeão da Europa, o Amândio da Costa, lateral direito dos juniores do Benfica e titular em todos os jogos desta selecção. Foi até considerado o melhor jogador em campo no empate com a Itália (0-0), nas Antas. É verdade que em termos futebolísticos, o Monte Frio possui outra figura de relevo: o Filipe Cândido, atacante internacional em todos os escalões etários, incluindo os Sub-21, tendo mesmo integrado a selecção de Jesualdo Ferreira, que participou no Campeonato do Mundo Sub-20. No entanto, montefriense com um título europeu só mesmo meu amigo Amândio, rapaz da minha geração a quem devo a iniciação no futebol federado. Certo dia, em Agosto de 1960, por altura da festa do Milagroso Bom Jesus, vendo-me jogar à bola, com a malta, na estreita rua principal do Monte Frio (balizas de parede a parede, uma à porta do Salapica, outra na do Manhoso, único local sem inclinação), sugeriu-me ir ter com ele ao velho estádio do Benfica, no Campo Grande, para me treinar à experiência. Assim fiz, quando regressei a Lisboa, fui aos treinos de captação e, entre duzentos candidatos, fui escolhido pelo treinador argentino José Valdivieso para representar os juvenis do Benfica. O que não viria a acontecer porque, entretanto, fui aliciado para integrar o rival Sporting, treinado pelo grande José Travassos, o que me deu enorme prazer.

Vem isto a propósito da afinidade que sempre tive com o Amândio, do acompanhamento da sua carreira, das futeboladas nas férias, do gosto que era dizer: é meu amigo, é da minha terra.

Oportunamente sugerimos e concretizámos uma reportagem de duas páginas, no jornal A BOLA, envolvendo as memórias do tal título europeu de há meio século. Para isso reunimos seis dos futebolistas campeões (Amândio, Nogueira, Jorge, Manuel Rodrigues, Fernando Peres e Oliveira Duarte) e o seleccionador nacional, David Sequerra para um almoço de confraternização no restaurante Tia Matilde, em Lisboa. Foi no dia 8 de Abril, precisamente na data em que se comemorava o cinquentenário da histórica conquista. Talvez fosse essa reportagem que alertou a FPF para a merecida homenagem engendrada no último sábado.

«Jogar no Benfica… uma felicidade!»

Com este texto queremos homenagear o nosso conterrâneo Amândio Costa, sócio nº 42, da CMMF, filho do saudoso Elísio da Costa (o irmão mais velho de quatro rapazes, José João, António e Albino), taxista em Lisboa, sócio do Benfica e mítico cantador do fado serrano, com uma voz rouca e castiça, tocador de viola e sabedor de quadras sem fim. Ai que saudades!

Amândio da Costa Gonçalves nasceu em 24 de Março de 1943, na casa da avó materna, em Casarias mas, diz com ironia «Nasci nas Casarias mas fui fabricado nas Minas da Panasqueira. Porque os meus pais, como tanta gente da nossa região, foram trabalhar nas minas, lá tão longe. Eram tempos difíceis».

Amândio recordou também o seu inicio de carreira e a forma como chegou ao Benfica: «Eu tinha jeito para a bola e já jogava no Estrelas de Campolide, clube popular do meu bairro. Mas como queria ir mais longe, em Agosto apresentava-me no Campo Grande para os treinos de experiências no Benfica. Fui lá com 13 anos, depois com 14, mas sempre rejeitado por…falta de cabedal. Eu era miúdo, pouco físico, corpo fraquinho e o treinador Valdivieso dizia ‘vai comer bife’… »

Benfiquista desde miúdo, Amândio da Costa não desarmava e, a cada ano que passava, insistia em se apresentar no pelado do Campo Grande, para mais um exame no Benfica: «Em Agosto de 1959, tinha então 16 anos, decidi. Este ano tem de ser. Se não for no Benfica, será no Sporting, no Belenenses ou mesmo no Tarujense (clube de Campolide, federado, que entrava nas provas da AF Lisboa). Voltei às captações no Benfica, era o treinador Fernando Caiado quem estava a escolher jogadores e, no final do treino, chamou-me ao gabinete e deu-me as papeladas para o meu pai assinar. Foi uma alegria imensa. Para mim e para o meu velhote. Ficou todo satisfeito. O Eliseo Moura era sócio do Benfica, tal como os meus tios. O tio António, então era sócio ferrenho, não faltava a um jogo. Para mim, jogar no Benfica… uma felicidade!», afirmou o antigo internacional, lembrando, de seguida, que «ao fim de meia dúzia de treinos já era titular da equipa de juniores. As coisas correram bem. A equipa estava em renovação, chegou o Simões (veio do Almada), Nunes, Jorge, Carlitos, Carlos Silva, Moreira… e fizemos uma grande época 1959/60. Fomos campeões regionais (1-0, ao Sporting, no Estádio do Restelo) e campeões nacionais (2-1 ao FC Porto, em Leiria). Em termos de selecção foi óptimo. Logo no ano de estreia (1960) fui titular da equipa que ficou em 3 º lugar, no Campeonato da Europa de Juniores, em Viena de Áustria. Aliás, esta equipa foi a base da que viria a sagrar-se campeã da Europa no ano seguinte, à qual já aludimos».

Dez anos em Santo Tirso

Após os bons desempenhos no clube e na selecção, Amândio da Costa foi promovido à equipa profissional com apenas 18 anos. Estávamos em 1961, ano da consagração da famosa equipa do Benfica campeã da Europa e Amândio sentiu algumas dificuldades para se impor em tão categorizada formação. Fez parte de uma reserva de luxo, onde pontificavam outras esperanças do clube como José Torres, Mendes, Peres, Jorge, Nartanga, alinhou nalguns jogos da equipa principal (na estreia oficial de Eusébio, com o Vitória, no Campo dos Arcos, em Setúbal) e acabaria por se transferir em 1964 para o Tirsense, da Primeira Divisão. Em Santo Tirso permaneceu durante dez épocas, terminando carreira em 1973, aos 30 anos: «Entendi que o futebol já não valia a pena, já não era o que gostava de fazer, tinha muitos casos, confusões… e resolvi abandonar a carreira. Ainda tirei um curso de treinador e tive um convite para treinar o Vizela. Contudo, optei por não aceitar. E desisti, não queria andar como os treinadores, a saltar de terra em terra», contou.

A verdade é que há vida para além do futebol e Amândio da Costa sabe-o bem: «O meu pai incentivou-me a regressar a Lisboa. Foi o melhor que fiz. Ao fim de dez anos longe de casa, arranjei emprego no Banco Fonsecas & Burnay (BPI), por intermédio de um amigo. Jogava futebol na equipa do banco e dediquei-me ao Sport Lisboa e Saudade, os veteranos do Benfica, onde, durante trinta anos, fiz de tudo: fui jogador, dirigente, treinador, roupeiro e massagista», finalizou o nosso ilustre conterrâneo, filho do Elísio Moura.

1 comentário para “Amândio, o nosso campeão da Europa”

  1. Como o mundo é pequeno…E como a internet é preciosa .
    Fico muito contente de conhecer um passado que para mim tanto significado tem.
    Bem hajam pela belissima reportagem :)

    Lidia Sousa, 11 de Junho de 2011, 19:48.

Comentar

Quero ser notificado por email aquando de novos comentários.