Nos primórdios do século passado, em Portugal reinava D. Carlos, em regime monárquico. Em Lisboa eram fundados o Sporting Clube de Portugal e o Sport Lisboa e Benfica. E na aldeia do Monte Frio nascia a menina Benvinda Marques, fruto do casal Maria dos Anjos e Álvaro Marques. Foi no dia 15 de Fevereiro de 1906. No tempo em que todas as casas eram construídas em xisto, grossas paredes de metro, com telhado feito de lajes, por onde se escapava a fumarada das fogueiras domésticas ou dos fumeiros dos enchidos. Era no tempo em que todas as casas eram habitadas por muita gente, tantas crianças em todas elas, portas franqueadas, todos primos e primas. Não se falava em luz elétrica e a água era da fonte de chafurdo. Os barrocos atravessavam a povoação a descoberto, matava-se o porco no inverno, havia rebanhos de cabras e ovelhas, e dezenas de galinhas a esgravatar pelas ruas e quintais. Eram tempos de incrível míngua, com as pessoas a trabalhar de sol a sol para tirar da terra o sustento das famílias. Como diz o ditado: «Comiam o pão que o diabo amassou».
Os anos foram passando, década após década, e a D. Benvinda Marques, batendo todos os recordes de longevidade, ultrapassou um século de vida e chegou aos nossos dias, felizmente com saúde e vivacidade. Por infelicidade, já com cem anos, numa queda, em casa, fraturou o fémur e ficou algo limitada nos movimentos, ocasionando o seu internamento num lar para idosos. Fisicamente muito elegante (magrinha como sempre), bastante lúcida e conversadeira, lembra-se de tudo o que diz respeito à sua vida de luta e canseiras. Recorda as vivências de há um século, no quotidiano montefriense e, apesar do desgosto de ter perdido o seu único filho (Manecas) há um ano, sente orgulho na família: a nora, Maria do Céu Henriques Matias; os netos Luís e Pedro Matias; e os bisnetos Joana (24 anos, médica no Hospital Amadora-Sintra), Luís Miguel (23 anos), Pedro Miguel (15) e Catarina Isabel (12). Foi com eles, tudo em família, que há dias festejou o aniversário, englobando responsáveis e utentes do lar.
É com enorme regozijo que hoje aqui dou conta da comemoração do 106 º aniversário da D. Benvinda Marques, ocorrido na Casa de Repouso Dona Florinda, em Sapeiros (Alfeizerão), o lar de idosos onde reside atualmente. Foi uma grande festa, que começou com uma missa, celebrada pelo padre Joaquim, de Alfeizerão e S. Martinho. Depois, as flores, os doces, o bolo de aniversário, os ‘parabéns a você’… enfim, uma grande festa que a deixou sensibilizada, comovida e, sobretudo, muito feliz e agradecida. D. Benvinda é mesmo a ‘princesa’ daquele lar, e toda a gente tem por ela, um carinho especial.
D. Benvinda Marques Matias nasceu em Monte Frio, no dia 15 de Fevereiro de 1906. Filha de Maria dos Anjos Marques e de Álvaro Marques (ambos falecidos em 1954, com 73 e 76 anos, respetivamente). Era uma família numerosa de dez irmãos e todos conheceram as dificuldades de uma vida de privações e muito trabalho. Todos nascidos e criados na humilde casa da rua da Eira, com o patriarca, ti Álvaro, figura carismática da nossa terra, pela sua corpulência e simpatia, homem forte, com um volume abdominal de respeito, e um peso corporal muito acima dos cem quilos. Bem se pode dizer que o ti Álvaro é uma figura lendária do Monte Frio. Ficou na história como o homem que certo dia, na taberna do Peres, bebeu uma cântara de cinco litros de vinho tinto em… dois fôlegos. Terá sido uma aposta, no tempo em que as serviam as rodadas nos copos de meio litro, que passavam de boca em boca, fraternalmente, por todos quantos estivessem no estabelecimento.
A D. Benvinda Marques (irmã da Assunção do Álvaro, valorosa costureira da nossa terra) foi da mesma criação das minhas tias Dos Anjos e Gracinda. Como acontecia com as crianças das famílias numerosas e humildes, começou, desde muito cedo, a servir na casa da tia Assunção Rosa e Zé António. Depois foi trabalhar para casa de uns senhores da Valbona (Arganil), conheceu o Luís Gonçalves Matias, da Relva Velha, com quem viria a casar-se, em Folques, no mês de Outubro de 1930. Por conseguinte, é tia legítima da Germana e do Arménio Matias.
Partiu para Lisboa à procura de melhor vida, começou a carregar fruta no mercado, mas a fatalidade levou-lhe o marido, ficou viúva aos 35 anos, com o filho Manecas para criar. Em sociedade com um cunhado, estabeleceu-se de mercearia, durante alguns anos, na Rua Alexandre Braga. Viveu sempre com o filho, inclusivamente nos oito anos (1972 a 1980) em que este residiu em Lourenço Marques (Moçambique).
Em nome dos conterrâneos, aqui deixo os parabéns à D. Benvinda Marques. Que Deus lhe dê saúde para continuar muitos anos entre nós.
É um orgulho para o Monte Frio ter uma filha assim… com 106 anos de idade. E com que vaidade podemos dizer, que a mulher (talvez) mais idosa do distrito de Coimbra (ou até do nosso país) nasceu no Monte Frio, terra bela?
V. C.
Linda Senhora com quem converso de vez em quando. Com a sabedoria que soube retirar de uma longa vida, é um encanto.
Outubro 2013
Maria Nazaré, 6 de Outubro de 2013, 23:51.