Inspirado por uma foto antiga, é com enorme prazer que hoje aqui venho recordar o meu amigo Alberto Trinta de Carvalho, o carteiro da minha infância no Monte Frio. Há dias, quando navegávamos na internet, no excelente sítio (cmmontefrio.com), da nossa Comissão de Melhoramentos (que todos devem consultar, para se surpreenderem), deparámos com uma foto enviada pelo amigo Octávio Marques, que nos trouxe à memória momentos passados há mais de meio século. Lembro-me bem do carteiro Alberto a chegar à nossa terra com a sacola das cartas e encomendas, dirigindo-se de imediato para a taberna da D. Assunção Peres, onde logo bebia o seu copito e, por vezes, comia uma bucha. Durante vários anos fez o giro da freguesia a pé, só mais tarde passou a fazer o trajeto num cavalo. No tempo de inverno, palmilhava geadas e sofria os temporais, enregelado, por vezes encharcado. Já durante o verão caminhava diariamente à torreira do sol, subindo pelas veredas, desde a Benfeita até ao Monte Frio, onde chegava afogueado e transpirado. Contudo, a postura do garboso Alberto Trinta era sempre a mesma. Estou a vê-lo sempre com aquela farda cinzenta de carteiro profissional, abotoada até ao pescoço (como se pode observar na foto). Vida dura e sofrida a do carteiro Alberto, então um jovem com enorme simpatia entre a população, a quem servia com dedicação e amizade. Porque, na prática, o carteiro era também um confidente, um moço de recados, um elo de ligação com a freguesia e com a vila de Coja. Àquela hora, no Carvalhal, tocava a gaita e, antes que chegasse à taberna para o expediente, as raparigas saíam-lhe ao caminho, na expectativa de ele trazer uma cartinha do namorado distante. Era no tempo em que o Monte Frio estava bastante povoado, embora tendo já muitos dos seus a labutar na capital, para melhor subsistência da família.
Em Dezembro do ano 2006, a Comissão de Melhoramentos de Monte Frio homenageou os carteiros António Mina, da Benfeita, e Alberto Trinta, de Coja, com o «Diploma Afinidade», numa cerimónia que decorreu durante um almoço na Casa de Convívio da CMMF, onde lhes foi manifestado todo o carinho e amizade do povo.
O giro dos Correios da freguesia da Benfeita foi criado no dia 15 de Fevereiro de 1954, cujo posto estava sediado num pequeno espaço comercial no Largo da Capela, mudando-se depois para o estabelecimento do conhecido Artur Nunes da Costa. O percurso do estafeta de Coja para a Benfeita (com passagem pela Cerdeira), era feito de bicicleta na estrada de terra batida. O primeiro estafeta foi o Augusto da Silva (capador), da Dreia, e depois o Manuel Raposo, de Coja.
V. C.
No almoço de homenagem em Monte Frio, o amigo Alberto Trinta leu uns versos de sua autoria, alusivos à árdua tarefa, enquanto carteiro do giro da freguesia de Benfeita. São esses versos que a seguir aqui divulgamos em sua homenagem:
Um carteiro na serra, nos anos 50
«Foi em cinquenta e quatro
Ano do século passado
Quando um giro dos Correios
Na Benfeita foi criado»
«Por necessidade ou destino
Eu fui ali colocado
Fazendo o giro a pé
Em horário complicado»
«De Coja para a Benfeita
Pedalando na biciclete
Em estrada de terra batida
Era o início de um frete»
«Começava ao meio dia
No horário determinado
Mas na estafeta pela Cerdeira
Chegava à Benfeita atrasado»
«Separar a correspondência
Para cada povoação
E a Benfeita era a primeira
A ter a distribuição»
«Por volta da uma e meia
Como era habitual
Lá ia o Alberto a pé
Para um giro rural»
«Estradas não existiam
Os acessos eram maus
E até parte do percurso
Era subir e descer degraus»
«Pela Senhora das Necessidades
Descia ao Soito Moninho
Subia para os Pardieiros
Que era um único caminho»
«Depois da distribuição
Também sem qualquer desvio
Descia à Ribeira da Mata
E subia para o Monte Frio»
«Da Benfeita ao Monte Frio
Todo o verão, pelo calor
Só quem conhece o trajeto
Saberá dar o valor»
«E sempre que necessário
Cumprindo uma obrigação
Eu ia para a Fonte Raiz
Que também tinha distribuição»
«Dali para a Relva Velha
Onde abrandava um bocado
Continuava para o Enxudro
Já em passo acelerado»
«Em dias de temporal
No exercício da profissão
Apenas o guarda-chuva
Dava alguma proteção»
«Em Novembro e Dezembro
No Sardal ao anoitecer
E a distância para a Benfeita
Ainda para percorrer»
«Chegava de noite à Benfeita
E a correspondência que trazia
Ficava retida no Posto
Para seguir no outro dia»
«Finalmente despachado
A biciclete me esperava
O meu transporte para Coja
Que era onde eu morava»
«Mais tarde a morar na Benfeita
Começava a ficar cansado
Passei a andar a cavalo
Mas reduzia o ordenado»
«Apesar do sacrifício
Eu sentia-me contente
Nem o notaria tanto
Por lidar com boa gente»
«Fossem jovens ou crianças
Hoje já com mais idade
Sempre que nos encontramos
Mantém-se a mesma amizade»
«As pessoas que já partiram
Que não mais torno a ver
Mantê-las-ei na memória
O tempo que eu viver»
COJA, Setembro de 2004
Alberto Trinta de Carvalho