«Estou velha como os trapos. Mais velha não pode ser. Mas estou feliz por chegar aos 108 anos» – afirmou a anciã, com ironia.
É com enorme satisfação e orgulho que hoje aqui anuncio a comemoração do 108 º aniversário da nossa conterrânea, D. Benvinda Marques, ocorrida no passado sábado, dia 15 de Fevereiro, no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Alfeizeirão, onde reside atualmente.
Nesse dia, a idosa senhora viu-se rodeada de todos os seus familiares, numa festa promovida pela instituição, onde não faltou o Provedor da Santa Casa, José Luís de Castro (meu particular amigo, do Sporting), bem como todo o staff operacional do Lar. Naturalmente, tamanha longevidade tornou D. Benvinda numa figura mediática ocasional. E daí, a presença de jornais e televisões para divulgar o acontecimento, invulgar em qualquer parte do mundo, que é festejar 108 anos de idade.
No domingo, à hora de almoço, ligou o meu amigo Albino Gomes, do Valado, entusiasmadíssimo: «Oh Vítor! Estás a ver o telejornal da TVI? Uma senhora que tem 108 anos, a dizer que é do Monte Frio, a terra mais linda do Mundo?»
Não perdi tempo, chamei a minha mulher, liguei a televisão e vi, com grande emoção, as palavras desta querida conterrânea (detalhando a informação mais global da locutora, que a dava como sendo natural de Arganil): «A minha terra é o Monte Frio! A terra mais linda da freguesia. Toda soalheira, lá no alto, com muito sol, vê-se tudo, quase até Coimbra. Com aquelas paisagens todas, por ali abaixo…» disse, com um gesto largo, elucidativo, com convicção elogiosa e orgulho pela sua terra natal.
Que bonito! Ouvir aquela velhinha a contar ao mundo os encantos do Monte Frio – terra bela. Até me vieram as lágrimas aos olhos. Tanto mais quando revelou o seu amor à terra que a viu nascer, onde já não vai há algum tempo: «Um dia hei-de lá voltar. Vou para lá quando morrer. O meu neto leva-me para o cemitério do Monte Frio.»
Para quem não teve oportunidade de ver em direto a entrevista da D. Benvinda, no dia do seu 108 º aniversário, tem a possibilidade de a rever através do site da Comissão de Melhoramentos, cmmontefrio.com. , onde foi colocada. Uma visita a não perder, na qual esperamos os vossos comentários.
Apesar da idade, D. Benvinda mostra uma lucidez impressionante no pensamento e na conversa, como, aliás, ficou demonstrado nesta entrevista, bem-disposta, que concedeu à reportagem da TVI: «Estou velha como os trapos. Mais velha não pode ser. Já são muitos anos. Por isso agradeço a todos que vieram aqui para me ver. Estou muito feliz por chegar aos 108 anos. Mas estou mesmo! Porquê? Porque estou cá. Deus quer assim, eu aceito. E fico muito contente por ter vivido até esta altura. Agora Deus faça de mim o que entender».
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Com cem anos fazia toda a lida da casa
A D. Benvinda Marques tinha um único filho, o saudoso Manecas, grande bairrista, falecido há três anos, que deixou valorosa descendência nos filhos, Luís Matias e Pedro Matias, e nos netos Joana (26 anos), Luís Miguel (25), Pedro Miguel (17) e Catarina Isabel (14). E a viúva D. Maria do Céu Henriques Matias, nora inexcedível da D. Benvinda, que nos informou: «Até aos cem anos ela cuidava de si e fazia toda a lida da casa. Cozinhava, engomava, limpava a casa e tomava banho sozinha. Sempre com desenvoltura e uma genica invejáveis. Chegava a dizer-me que eu, muito mais nova, estava pior que ela. Só que depois teve a infelicidade de cair, fraturou o fémur, e nunca mais ficou boa, antes, limitada nos movimentos, e teve de ser internada num lar para idosos.»
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D. Benvinda é da idade do… Sporting
Nos primórdios do século passado, na aldeia do Monte Frio nasceu a menina Benvinda Marques, fruto do casal Maria dos Anjos e Álvaro Marques (ambos falecidos em 1954). Nasceu no dia 15 de Fevereiro de 1906, quando em Portugal reinava D. Carlos, em regime de monarquia. Em Lisboa, nesse mesmo ano, era fundado o Sporting Clube de Portugal e o Benfica dava, então, os primeiros passos. Naquele tempo, Monte Frio era uma aldeia atrasadíssima, como eram todas as aldeias do interior do país, onde todas as casas eram construídas em xisto, grossas paredes de metro, com telhado feito de lajes, por onde se escapava a fumarada das fogueiras domésticas ou dos fumeiros dos enchidos. Era no tempo em que todas as casas, rudimentares e desconfortáveis, eram habitadas por muita gente, tantas crianças em todas elas, portas franqueadas, todos eram primos e primas. Não havia escola… só trabalho infantil, a guardar gado ou a roçar mato e ninguém se queixava do frio intenso e penetrante. As pessoas alumiavam-se com candeias de azeite, nem se falava da luz elétrica, e a água era da fonte de chafurdo, no Chão da Fonte.
Os barrocos atravessavam a povoação a descoberto, criava-se o porco para matar no inverno, havia rebanhos de cabras e ovelhas, e dezenas de galinhas a esgravatar pelas ruas e quintais, largando buseiras por todo o lado. Eram tempos de incrível míngua, com o pessoal a trabalhar de sol a sol para tirar da terra o sustento da família. Não havia reformas nem subsídio de reinserção social. E tudo se criava. Como diz o ditado: «Comiam o pão que o diabo amassou». A D. Benvinda Marques (tinha dez irmãos, entre eles a Assunção do Álvaro, costureira da nossa terra) foi da mesma criação das minhas tias Dos Anjos e Gracinda. Como acontecia com as crianças das famílias numerosas e humildes, começou, desde muito cedo, a servir na casa da tia Assunção Rosa. Depois foi trabalhar para casa de uns senhores na Valbona (Arganil), conheceu o Luís Gonçalves Matias, da Relva Velha, com quem viria a casar-se, em Folques, no mês de Outubro de 1930.
Partiu para Lisboa à procura de melhor vida, começou por carregar fruta no mercado, mas ficou viúva aos 35 anos, com um filho para criar. Em sociedade com um cunhado, estabeleceu-se de mercearia, durante alguns anos, na Rua Alexandre Braga e orientou a vida. Viveu sempre com o filho, inclusivamente nos oito anos em que este residiu em Lourenço Marques (Moçambique).
Em nome dos conterrâneos, aqui deixo os parabéns à D. Benvinda Marques. Que Deus lhe dê saúde para continuar muitos anos entre nós, com aquele sorriso e a mesma lucidez e boa disposição. É grande orgulho para o Monte Frio ter uma filha… com 108 anos de idade. E com que vaidade podemos dizer, que a mulher (talvez) mais idosa do distrito de Coimbra (ou do nosso país?) nasceu no Monte Frio, terra bela!
V.C.