O meu pai chamava-se Floriano Martins e a minha mãe Maria Delfina Martins. O meu pai foi empregado na Favorita, em Lisboa. A Favorita era uma fábrica de chocolates que ainda existe hoje. Trabalhava a fabricar chocolates e a comê-los. Do meu pai não me lembro de nada. Foi para Lisboa, coitado, desorientado. Aqui não se fazia nada, não havia onde ganhar dinheiro. Ele foi a pé de Monte Frio para lá. Não tinha dinheiro e foi a pé. Morreu lá, tinha eu 11 anos. Já estava em Lisboa há muito tempo. Por isso ele deixou-me a mim ainda com uma idade pequena. A mim e à mulher, à minha mãe. Vivia só eu e ela em casa. Éramos só os dois. Depois fui para Lisboa, tinha 14 anos, e ela ficou sozinha.
A minha mãe era doméstica aqui em Monte Frio. Nunca foi para Lisboa. Esteve lá só uns anos, mas já depois de a gente estar reformada. O dia-a-dia da minha mãe na agricultura era cavar terra, semear as sementes, arranjá-las e colher aquilo que dava. Plantava milho, feijão, batatas, couves, era de tudo. Ia para a fazenda de manhã e andava até à noite. Era sempre a trabalhar. Fazia de tudo. Tinha animais, mas poucos: uma cabra ou duas, uma ovelha e galinhas. Trabalhava no campo dela e de outras pessoas. Trabalhava para ela e depois ainda tinha que aproveitar por fora, quando havia. De onde é que vinha o dinheiro para o petróleo, para pagar as linhas e essas coisas? Ela andava meio dia para ganhar 25 tostões. Era a 5 escudos o dia. Andava desde manhã até à noite. Não eram oito horas, era de manhã à noite. Eram 5 mil réis.