O meu pai vivia em Lisboa, trabalhava de noite numa garagem e de dia vendia hortaliça. E eu fui para o pé dele. Ficou só a minha irmã com a minha mãe. E aos 14 anos, fiquei sozinho dentro daquela cidade sem um amparo de mãe nem de pai, nem nada. Fiquei sozinho. O meu pai veio para Monte Frio e eu fiquei em Lisboa. Conforme deu para ter sido um homem honesto também podia ter dado um vagabundo. Esta é a verdade. O dinheiro que ganhava era para mim e pouco! Eu era aprendiz numa oficina de estofador de cadeiras. Ganhava 20 escudos por dia. Tinha de comer, pagar o quarto e pagar a quem mo lavasse, 20 escudos por dia. O ferro ainda vai ao lume, a gente bate e ele alarga, mas o dinheiro não, aquilo não alarga. Aquilo tem de ser é apertado para chegar para tudo. Comprava-se uma postinha de bacalhau, que naquele tempo, vendiam nas mercearias à posta, já demolhado a 1200, ou seja 12 tostões, outras vezes, 15. Comprava-se meio decilitro de azeite, ou conforme se queria. Era assim que se comia. Nessa altura tinha ido para Lisboa e estava a viver num quarto. Houve alguns da terra que estiveram numa camarata, que era ali em Santa Marta. Até lhe chamavam a Casa da Malta. Levantavam-se uns para dormirem os outros. Uns trabalhavam de dia, outros trabalhavam de noite. Uns a vender hortaliça, outros nas garagens. Às vezes, a cama ainda estava quente quando se deitava o outro. A vida era rija.