Hoje o meu dia-a-dia é muito triste. Nós fomos sempre um casal muito unido, andáramos sempre os dois. Em Lisboa foi sempre um ao lado do outro que fizemos a nossa vida e aqui a mesma coisa. Agora, já há anos que não crio, mas tínhamos galinhas, coelhos e criávamos um porquinho ou dois. Tudo naquela coisa agradável que a gente tinha. Hoje não. O meu marido entrevou-se das pernas. Levanta-se, mas tenho que ajudar a vesti-lo. Está bastante doente e também é a idade. Eu sofro muito do reumático, estou cheia de artroses. Este mês, já fui três vezes a Oliveira do Hospital tirar radiografias. Estou à espera da minha filha para irmos ao médico para ver o que eu hei-de fazer. As dores que tenho são horríveis. Aqui há três anos também caí. Parti um braço e nunca ficou bom. Fui operada aos olhos. Também não fiquei bem. Quer dizer, fiquei bem dos olhos, mas já tinha muitas dores de cabeça e mais tenho. Também estou com uma depressão nervosa há muito tempo. Tudo me dá para chorar. A minha filha telefona-me todos os dias. A minha neta a mesma coisa. Mas tudo me dá para chorar. Estou muito sozinha. As pessoas agora vão mais para a Casa do Povo, mas eu estou em casa muito sozinha e não tenho mesmo vontade de ir. Antes, e ainda o ano passado, fazia muito vinho. O meu genro vinha-me cá sempre ajudar. No ano passado fiz 350 litros com uvas apanhadas por mim nos quintais. Mas este ano já não faço nada. Não posso. Até já disse:
- Quem quiser as uvas dadas, eu dou-as!
Tínhamos uma vidinha boa os dois. Mas agora chegou-se a idade e chegou-se os sofrimentos. E, pronto, cá estamos.