“Foi um casamento à pobrezinha”

Foi um casamento pobrezinho. A minha mãe, coitadinha, não podia. A minha sogra era pobrezinha, também não podia. Fomos à igreja à Moura. No Monte Frio é capela. Fizemos nós a despesa. Eu e ele. Também não foi muita despesa. Fizemos o almoço. Comeu-se chanfana, batatas, arroz-doce, tigelada e bolos. Agora já não me lembro bem disso. Já foi há muito tempo. Mas foi um casamento à pobrezinha.

Até o colchão para a gente dormir tivemos que comprar. A minha vida de casada também foi sempre uma vida de escrava. Quando a gente se casou, eu era pobrezinha e ele também era. Plantávamos batatas, couves, feijão e cebolas. Mas nesses tempos tive uma vida triste porque o meu marido ganhava poucochinho e eu também. A minha mãe, coitadinha, precisava do dinheiro. Lá vinha ela buscar os 200 escudos para se ir remediando para o que ela precisava, para matar a fome aos meus irmãos. Graças a Deus, sempre nos soubemos entender. Ele não era estragado e eu também não. Ele gostava de trabalhar e eu também. Ainda hoje gosto. Preciso, mas também gosto.

Depois, fomos para uma casa da senhora onde eu estava. Tinha as paredes, o telhado e mais nada. Naquele tempo, a nossa mesa, para a gente comer na cozinha, eram as caixas de tábuas. Faziam-se umas caixas de madeira para a sardinha e para o peixe todo. Então o meu marido, para a gente comer os dois, que ainda éramos só os dois ao princípio, pôs duas pernas de cada lado da caixa e era ali em cima que a gente comíamos o comer, para não estarmos com os pratos ou com as tigelas na mão. A cozinha era daquelas cozinhas antigas, que até tinham um bordo e a gente assentava-se naquele bordo. E o lume era no meio daqueles bordos. Até era giro. A panela, era uma panelita de barro. A gente não tinha dinheiro para comprar de ferro. Era uma de barro até pudermos comprar uma de ferro. Depois quando compramos a de ferro, deixei aquela panela para cozer aqueles aparozitos para as galinhitas, que já tinha duas galinhitas. Tinha a panelita à fogueira, no chão. A cozinha tinha uma janelita virada para um barroco. Agora até temos um jardim nessa cozinha, um jardim cá do povo.