Os meus pais chamavam-se Abel Lopes Gaspar e Maria de Jesus. Trabalhavam na agricultura. O meu pai andou em Lisboa, mas, coitado, por pouco tempo. Também andou na França, na guerra de La Lys. Contava-me muitas histórias de lá. A fome que passavam. Andavam lá pelos terrenos e, às vezes, tinham de roubar cabeças de nabos. Um ficava a espreitar enquanto o outro ia lá roubar uma cabeçazita para se alimentarem. Era passar mesmo fome, de que maneira! Foi terrível. Andou sempre na linha da frente. E não teve problema nenhum. Houve um cunhado dele, que foi ferido lá numa perna. Deram-lhe um tiro numa perna. Outro morreu lá. Deu-lhe na cabeça de ir tomar banho, mas não sabia nadar. Morreu afogado. O meu pai nunca teve reforma. Morreu sem reforma. Nunca teve coisíssima nenhuma, nada! Na altura, ainda não havia. As reformas vieram a partir dessa altura para cá.
Quando morreu a minha mãe, foi para Lisboa. Como éramos quatro, ele estava três meses em casa de cada um. Três meses em minha casa, três meses em casa dos meus irmãos. Trouxe-o quando vim para cá no dia 4 de Janeiro de 1971, mas, coitado, já viveu pouco tempo. Morreu em Fevereiro desse ano. Adorava estar na terra.