Na altura, não havia professores no Piódão. Eles não vinham, porque não tinham condições nenhumas. E mesmo que houvesse aí um professor, os pais não mandavam os filhos à escola, porque não era obrigatório. Queriam-nos para guardar os rebanhos. Não havia escola para ninguém! Só fiz a quarta classe, em Lisboa, em 1958. Tinha 33 anos. Estudei nas Janelas Verdes, na Escola 18. Mas quando fui para lá, sabia fazer o meu nome e essas coisas todas. O professor, quando me fez o teste disse:
- “Você já tem letra de namorado...”
Ele dizia:
- “Se vierem para me subornar, eu até os mando prender! Faço isto por amor!”
Era o professor Figueiredo lá na Rua das Janelas Verdes, na Escola 18. Mas não se podia fazer lá o exame. Fui fazê-lo na Rua Conde Barão com a Travessa das Gaivotas. Só propôs três para exame. Estava lá um a reclamar:
- “Ei, já cá andei o outro período...”
- “Aqui só vai quem eu avisar: vai o senhor Gaspar...” - um rapaz que era Lomba e outro que era Brito, dois rapazitos do Minho, que estavam em mercearias.
Estava lá um indivíduo a chorar. O professor comoveu-se e perguntou-lhe:
- “Porque é que você está a chorar?”
- “É que se eu fico mal, fico sem emprego...”
Andava lá na CUF, de onde nasceu a Lisnave. Eles foram obrigados: ou iam estudar e tirar o exame ou iam para a rua. Aquilo era rigoroso.
Já contei as Linhas do Norte e do Minho, as nascentes e as lagoas. Agora, não sabem. Contava aquilo tudo de cor e salteado. Depois, tive sorte. Onde estudei mais, onde aprendi mais, foi onde vivi mais tarde. Vivia com um indivíduo a quem faltava um ano para ser padre. Estava nas Finanças. Quando eu ia trabalhar para os barcos, a ajudar nas máquinas e nas chapas das caldeiras, fazia lá contas, reduzir ao máximo, divisor comum. O maquinista, que tinha curso, um dia, perguntou-me:
- “Onde é que tu aprendeste a fazer isso?”
Eu disse:
- É que vivo em casa de um indivíduo, que falta um ano para ser padre. Está nas Finanças. Ele é que me ensina a fazer isso.“
Ele disse:
- ”Olha, eu não sei fazer...“