Vivia tudo em casa de malta. As pessoas, que tinham posses, alugavam um quarto ou uma parte de uma casa para morar. A rapaziada solteira, como não tinha posses para alugar um quarto nem coisa nenhuma, ia para aquelas casas. Eu também vivi num sótão, em solteiro, muitos anos, na Rua das Janelas Verdes. Era de uma senhora, uma velhota, que tinha casado com um espanhol, que tinha morrido. Coitadinha, vivia daquilo. Tinha a casa. Era malta do Minho, que trabalhava no frigorífico ali em Santos e outros rapazes que eram caixeiros-viajantes. Vivíamos naquela casa 30 e tal homens. Uns casados - tinham cá as mulheres na terra - e outros solteiros. Se fossem mulheres, matavam-se umas às outras. Eu tinha uma vantagem sobre eles todos. Os do frigorífico trabalhavam de noite. Pegavam às oito da noite até durar a descarga. Não havia horário. Os que trabalhavam nos armazéns saíam às sete horas. Eu como trabalhava nas oficinas, saía às cinco. Chegava a casa, punha a panela ao lume. Era uma lata de folha, daquelas do atum, para cozer as batatas com o bacalhau. Era do que a gente se alimentava mais. Quando os outros saíam, já eu tinha feito a minha comida e já tinha comido. Ia dar uma volta para ver as montras, como se costumava dizer.
No sótão, se me endireitasse de baixo para cima batia com eles nas telhas. Pagava ali 30 escudos por mês ou o que era. Tinha aquelas tarimbas e a gente dormia ali. Até tinha uma cozinhazita, donde todos faziam a comida, naqueles fogareiros a petróleo. Tinha uma pequena sanita para fazer as necessidades. Quando queríamos tomar banho, íamos às casas da Câmara. Tinha uma ali perto na Rua da Esperança e outra em Alcântara, na Rua da Creche. Eu tomava banho na oficina, mas as pessoas que não tinham outra hipótese iam lá. Ao domingo, levantavam-se, levavam a toalha, levavam o sabão - que lá não havia nada -, pagavam cinco escudos e ali é que tomavam banho. Depois a coisa foi melhorando. Os filhos desta rapaziada já tiveram outra vida melhor.