Mel e aguardente

Apanhei em Lisboa o vício das colmeias. Gosto disto. Fazem parte da minha vida. Estou aqui sentado, vou espreitá-las e estou aqui.

O mel é bom de fazer. Faz-se nos quadros. Primeiro, era no cortiço. Punham-se uns paus atravessados para ampararem o mel. Usava-se a crestadeira, uma espécie de faca, mas em concha, para cortar. O cortiço era todo espremido à mão. Às vezes, tinha problemas, porque ainda trazia criação e criava também um bicho. Ao cortar, vinha tudo. Agora, são quadros. Compram-se já com cera. Primeiro, elas puxam a cera, depois põem o mel. A gente tira os quadros para tirar o mel. Usamos umas maquinetas. Dá-se ali à manivela. Tem uma corrente como as das bicicletas, uma rotação. O movimento do ar é que lhe extrai o mel. Fica direitinho. Automaticamente, vê-se se ele está limpo ou se tem lá qualquer coisa de anormal. Se tiver não se tira, deixa-se ficar. As abelhas lá limpam tudo. Limpam o mel todo fica só a cera limpinha. Se depois de extrair, não pusesse para elas limparem, aquilo enchia tudo de bicho e apodrecia com aquela humidade do mel que fica. Depois, torna-se lá a pôr. Mas no ninho nunca se mexe. Na primeira caixa, não. É a reserva para elas. Às outras, de cima, tira-se o mel. Depois, na altura própria, para a Primavera, vai-se pondo outra vez as caixas. Vai-se vendo. Quando se vê que está a mão cheia, quando está a caixa cheia, elas começam a amontoar-se à porta. Já não têm espaço. Então, põe-se outra em cima. Pode-se pôr uma, pode-se pôr duas, depende.

As rainhas não podem estar duas na mesma colmeia. Matam-se. Nos cortiços, às vezes, viviam duas rainhas. Nas caixas, nunca vi. Como é que a gente descobria que havia duas rainhas? Elas fazem o painel. Se for só uma, é a direito. Quando aparecia uma cruzada, é sinal que tinha duas. Elas não trabalhavam em conjunto: uma fazia a parte paralela e a outra fazia a parte transversal. Se a rainha morrer, a colmeia morre também. Às vezes, morre a rainha por qualquer doença. Também adoecem, como as pessoas. Mas as abelhas só haviam de morrer depois de acabar o mel. Mas não, senhor! Morre a rainha e elas morrem logo também. Não vivem sem a rainha. Outro problema: as colmeias têm de estar desviadas umas das outras, porque a rainha só vem à rua para fecundar com o zangão. Se for um zangão de boa qualidade, ela é boa poedeira. Se há umas “zanganetas”, que não prestam para nada, não desenvolvem nada. Ela quando vem cá à rua, voa juntamente com as outras. Elas voltam para a mesma colmeia, mas a rainha, como sai só daquela vez, pode-se enganar. Se entrar na outra, como é estranha, jogam à zaragata uma com a outra e acabam por se matar. Morrem as duas colmeias, porque ficam as duas sem rainha. Este é o segredo da abelha. Mas não é preciso mandá-las. Elas aí andam a trabalhar.

Antigamente, conservavam o mel naquelas panelas de barro vidradas. Guardavam num sítio fresco, nas lojas. Aqui numa aldeia, chamada Fórnea, havia um indivíduo que tinha mel. Meteu umas vasilhas dessas na loja e foi para o lar para Arganil. Há oito anos que não crestava, que não tirava mel. Os filhos foram lá ver:

- “O mel é para deitar fora! Deve estar podre...”

Estava que era uma maravilha! Só se nota que o mel está deteriorado quando começa a fazer aquela espumazinha por cima. Quando é envasilhado em cântaro, não conserva nada dentro. Todas as impurezas vêm ao de cima. Faz aquela espumazinha que a gente tira para ficar o mel limpo, chamam-lhe eles, adulterado. É como a sopa quando começa a azedar. Vem aquela espuma por cima.

De resto, ando mais aqui a horta. Com o meu vagar e com um sachito. Vou semeando aí um feijãozito, umas couves.