Havia um tio meu, de Cebola, que agora é São Jorge da Beira, terra do meu avô, que trabalhava como barbeiro. Os barbeiros faziam de tudo. Eram capazes de fazer uma barba mas curavam. Era à base de ervas. Eu ouvi uma vez um médico a um tipo:
-“O que é que está a tomar?”
E ele:
-“Ah! Estou a tomar isto, aquilo e aqueloutro.”
E ele diz assim:
-“Então quem é que mandou tomar?”
-“Ah! Foi o senhor barbeiro.” - chamavam o senhor barbeiro.
Ele esteve a olhar. Coisas que ele depois mandou ir buscar a uma farmácia. Mas ele também disse:
-“Você siga com ele, porque ele salvou-lhe a vida”.
O homem salvou muita gente. Ele fazia de tudo. Diziam que fazia sangria, quando as pessoas tinham certas doenças. Tirava-lhes sangue pelo nariz. Partiam as pernas, ele curava-os, lá os atamancava, tudo. Tratava de tudo. Eu lembro-me de um dia, andava eu e um primo meu na serra, porque nasciam lá umas flores muito lindas, na entrada da Primavera e a gente no Domingo de Ramos ia à igreja e levava ramos de louro. O padre benzia-os e depois recolhiam-se para casa esses ramos de louro. E dia de Santa Cruz, que é o dia 3 de Maio, a gente partia uns pauzinhos, fazia umas cruzes e punha nas portas. E a parte da rama levava-se para as hortas que era para afastar os raios. E a gente ali enfeitava aqueles ramos de louro com aquelas florzinhas muito bonitas. Um dia, andava lá a apanhar mais ele, calhou de ser ele, podia ter sido eu, cai lá por aquela parede abaixo, catrapumba, abriu uma brecha salvo seja na cabeça, como uma melancia quando se dá um golpe, cabia sem exagero uma mão! Veio a deitar sangue de lá, um quilómetro quase, talvez, para aqui. Depois fomos lá ter com o meu tio:
- “Os sítios que eles me vão! Haviam de lá ficar!”
Ele estava zangado, mas pegou nele e coseu. Aquilo devia estar dormente, eu lembro-me dele com uma agulha e com um fio que ele tinha. Coseu-lhe aquilo a sangue frio, depois disse à mãe dele:
-“Vais a tal lado e trazes ervas.” - lá lhe deu o nome nuns bocados - “Estão ervas não sei de quê, pisas e primeiro lavas com água de malvas bem lavado, depois pisas aquilo e pões esses emplastro em cima.”
E aquilo curava tudo. Ele está mais bem conservado, só tem um ano de diferença de mim. Eu até digo:
- Eh, pá! O gajo está bom!
Eu já não tenho cabelo e ele tem o cabelo bom. E eu assim para ele:
- Também se tu estivesses careca como eu, a tua cabeça parecia um mapa de Portugal.
Tem tanta mossa, tanta mossa, tanta mossa. E a vida era assim.
O nome do meu tio é Francisco Lopes Pacheco. Está uma lápide numa rua com o nome dele. Foi um grande homem.