Eu sou do tempo que a gente comia por racionamento, mesmo em Lisboa. No tempo do Salazar, isto estava mal, diziam que o homem tinha os cofres abarrotados com dinheiro e hoje estão tesos. Tinha o país muito atrasado. Uma calamidade. Só analfabetismo. Havia uma espécie de um livro, que diziam que eram as cartas de racionamento, que tinha direito a tanto de mercearia. Não era à balda. A gente ia à mercearia e se quisesse comprar 1 quilo de arroz ou de massa estava ali um papel: era só meio quilo disto, 250 daquilo. E, na altura, uma pessoa comia dois pães ou qualquer coisa. Só que eu era novo em Lisboa e o padeiro que ia levar o pão, conhecia a gente e sabia:
- “Estes gajos são novos, precisam de comer!”
E deixava um pão inteiro. Era um pão escuro, parecia cimento. Se o deixasse ficar de um dia para o outro, podia atirar com ele numa parede que fazia um buraco. Estou a falar verdade!