O meu pai contava-me a história do cónego Nogueira. Está uma estátua dele no largo da aldeia. Esse foi um grande homem. Foi ele que mandou arranjar os caminhos de cabra que há do Piódão para Vide. Esse homem esteve na aldeia muitos anos e tinha um irmão que era professor. Isto contavam os antigos. Tanto que aqueles velhotes que viveram naquele tempo sabiam ler. Mais tarde, os que se seguiram já não sabiam, porque os professores deixaram de vir também. Na altura, aprenderam a ler com o irmão dele, que era muito mau. O cónego era uma jóia e desenvolveu isto. E ele então pegava lá na aula, pegava neles a jeito e batia com a cabeça no tecto, que aquilo era baixinho. E aprenderam a ler, aqueles velhotes. Velhotes que morreram, como o meu pai, sabiam ler e escrever. Vinham para o Piódão de fora. Em Lisboa estive com um tipo, com quem fiz a quarta classe já depois de adulto, que dizia que o pai dele tinha estado no Piódão a aprender. Vinham até de Guimarães, da Guarda, de um lado e de outro, porque ele fundou uma espécie de um seminário. Preparava até já um curso superior. Muitos homens que estiveram à frente dos destinos do nosso país passaram pelo Piódão. Tinha cá uma Universidade e andavam sempre em guerra. Não era bem racismo mas os gajos não se entendiam e era porrada uns nos outros. Mas o professor era rijo como tudo. Também tinha que ser porque eles eram homens criados mas eram uns brutamontes. Os gajos andavam à tareia uns com os outros e chamavam:
- “Olha é Guimarães, esfola gatos, come cães!”
Aqueles calões que eles empregavam uns para os outros. Depois, o professor topava. Andava por ali. No outro dia, quando eles iam a entrar para a escola, punha-se atrás da porta com uma régua muito comprida. Quando iam a entrar, aqueles que ele via que tinham feito a desordem, pumba! “Guimarães”, toma. “Esfola gato”, pumba! “Come cães”, pumba! Mas eles aprenderam a ler e hoje há muitos que andam na escola obrigados e nunca tiram curso nem nada.