Os Invernos antigamente, era curioso. A gente tinha dias, quando se ia levantar de manhã, para sair para fora, tinha de andar a puxar a neve com umas enxadas, porque ela chegava a meio da porta. Isto é tudo cômoros. Era tudo liso. Eu lembro-me, quando era miúdo, chegava a haver neve aos meses. Porque o Piódão fica numa cova, na encosta situada na Serra do Açor. E então, a neve vinha naqueles dias pequeninos, com a temperatura muito baixa. Vinha um nevão grande, e no outro dia estava bom, o tempo bom. Tudo limpinho e ainda arrefecia mais. Depois, aquilo vidrava, congelava de uma maneira. A gente andava, às vezes, descalços por cima daquilo. Era a nossa vida. A correr de um lado para outro. E andávamos assim. Estava aí aos meses porque o sol dava pouco tempo no Inverno e naqueles sítios onde não chegava a dar o sol, ficava ali aos meses de neve. Agora vem pouca, eu só me lembra de aparecer num ponto mais alto, aí umas duas vezes. Já não vem a neve que vinha. Frio, vem muito frio e chuva. Mas a neve não vem. E a neve é que fortalece os nascentes de água. A nossa terra ainda tem muita água. Até há água a correr na povoação. Não é de represa, é sempre a correr água, sempre a correr. Vem de um barroco. E há muitas terras que quando chega o fim do Verão estão sem água. Aqui há muita água. Mas quando havia muitos nevões ainda era pior, havia para aí água por todos os lados porque o próprio nevão é que sustenta as nascentes. Na Serra da Estrela, que é um sítio alto há lá sempre neve. Como há muita neve há quase sempre água.
O calçado eram os tamancos. Por baixo era madeira e por cima a sola. E então metiam-se aqueles nevões altos de meio metro, a gente ia a andar, metia o pé para baixo quando ia a puxar para cima ficava lá o tamanco e vinha o pé. A minha mãe contava que vinham aqueles nevões muito grandes, tinham os animais nas terras e estavam dois e três dias sem lá poder ir botar comer. Uma altura, a minha mãe disse-me que estiveram sete dias sem lá poder ir botar comer e quando lá chegaram, algumas já estavam a cair para o lado, com a fome. Agora não, agora já se vai. Não neva tanto, mas antigamente até dava gosto andar aí a pisar essa neve, por um lado e por outro.
Com as outras crianças fazíamos cada boneco de neve! Era neve em cima uns dos outros e tudo. Eu lembro-me que, numa eira onde antigamente malhavam o centeio, a gente fazia ali bonecos da altura de um homem, depois deitava-os por aí abaixo, contra as casas. Era um barulho dos diabos. A gente brincava com o frio e com a neve. Hoje não, hoje o frio é que brinca, pelo menos comigo, que eu já estou arrumado.