Primeiro, estive um ano no Alentejo, a trabalhar de sol a sol. Tinha 14 anos, ia para os 15. Vinham uns tipos de outras terras, dessas terras aí “pia fora” e contratavam certos rapazitos para ir trabalhar. Em geral, iam fazer vindimas. Íamos a pé para Vide. Da Vide é que vinha uma camioneta buscar-nos e levar-nos para lá. Depois, íamos para o Entroncamento. No Entroncamento tinham lá uns gajos das herdades do Alentejo, vinham buscar-nos numas galeras, umas carroças puxadas a mulas. Levávamos uma caixita com os trapos. A alimentação para todos os meses era tantos quilos de farinha, azeite e feijão. A gente todos os dias fazia aquilo. Aquela farinha em água a ferver, amassava, punha um bocadinho de água, amassava bem amassado, depois punha-se azeite e comia-se aquilo assim. Era uma escravidão autêntica. Ganhávamos na altura, ao fim dos nove meses, salvo erro, 700 escudos. Não chegava a 100 escudos por mês! Eram umas migalhitas e mandei-o para o meu pai. A gente do pouco que recebia ainda vendíamos algumas coisas. Uns quilos de farinha, feijão. Tanto que eu ainda arranjei dinheiro para a viagem do Alentejo para Lisboa. E o dinheirito, eu disse lá ao capataz, que era lá o manda-chuva:
- Olhe, depois entrega ao meu pai, lá na terra.
Nem cheguei a ver o dinheiro. Mas parece que não chegava a 800 escudos. Ali quase um ano a trabalhar. Andei para lá muitos anos para ganhar alguma coisita. Eram nove meses. No fim, vinha para a terra, depois ia novamente. Vínhamos mais ou menos em Junho e em Outubro tornávamos a ir. Depois, lá fui para Lisboa, eu e mais um rapazito meu amigo. E lá ficámos.