Naquele tempo, quando se estreava uma roupa, era uma festa. Não havia dinheiro. Até aos 20 anos, roupa como devia ser, só tive uma. E uns sapatos. A gente usava tamancos de andar aí. Mais tarde, quando andava na resina, já era botas de pneu por baixo e cabedal por cima. Mais do resto, não havia roupa para todos os dias. E a gente não tinha frio. Deus dá o frio conforme dá a roupa. Era uma camisita, mesmo de Inverno, e, às vezes, um casaquito velho. O mais, andava assim. Não trazia grande roupa, mas a gente andava aí. Quando éramos miúdos, andávamos descalços em cima da neve. Os pés punham-se encarnados e tudo. Enquanto não desadormecia, aquilo era uma dor terrível. E nas mãos também. Em desadormecendo, pronto. Chegava a tolher o sangue. Gelava os dedos e a gente andava aí, no normal. Descalço em cima da neve. Era o que cá havia.