Que eu me lembre, havia escola temporária. A professora estava aí um período e depois não vinha. Naquele tempo, não era em qualquer lado que havia professoras. Era só lá na cidade. A maior parte delas estudava em Coimbra. Algumas até eram naturais de lá. Se vinham aqui, tinham de vir a pé por essas serras com neve e não sei quê. Umas adoeciam, outras mandavam-nas para cá e elas não vinham. Não sei como elas se arranjavam. Naquele tempo, lá arranjavam maneira de não vir. A maior parte do tempo, a gente não tinha cá professora. Mas quando tinha, os pais também não queriam que fôssemos à escola, porque precisavam da gente para trabalhar, para guardar o gado. Mesmo que tivessem uma pessoa que fosse pastor. Não queriam que a gente fosse à escola. Por acaso, ainda fui algumas vezes. Mas o que aprendia durante um período, esquecia. A gente preocupava-se mais com o trabalho e em andar a fazer brincadeiras. Quando vinha a professora, estava tudo esquecido. Não cheguei a aprender nada.
Já sabia umas letras quando saí daqui. Sabia qualquer coisa. Aprendi com o padre Ilídio. Como não havia professora, iam uns tantos lá. Não deu para todos, só para alguns. Ele seleccionou e depois tinham que lhe pagar qualquer coisa. Não tinham dinheiro, mas davam-lhe queijo e carne e essas coisas para ele trazer lá a gente. Andei lá um tempo. Aí é que eu aprendi umas letras. Quando fui para a tropa, já levava umas luzitas.
Naquele tempo, na tropa, quem quisesse ir aprender, podia-se inscrever, que havia escola. Fui e andei um tempo lá. Mas conjugar umas coisas com as outras, também não dava muito bem, por conta da disciplina da tropa. Mesmo assim consegui. Nunca mais me esqueci, quando lá fui ao professor tirar o diploma. Deram-me um diploma da terceira classe. Um diploma todo catita. Diz ele:
- “Está a ver? Agora já leva aqui um diploma!”
- Ainda bem, que lá consegui.
Quando fui para Lisboa, fui outra vez para a escola porque a certa altura a vida desenvolveu. Eu fui para uma grande empresa, a CUF. De início, nem todos os engenheiros tinham carro. Alguns iam nos transportes públicos e outros a pé. Depois, aquilo evoluiu e quase todos os operários tinham carro. Eu não tinha a carta, mas a coisa estava-se a organizar para comprar um carro, também. Estava já a sentir falta dele e a família também. Então, fui para a escola e tirei a quarta classe, porque era preciso a quarta classe para tirar a carta de condução. Nesse instante, adoeci e já não fui tirar a carta. Mas a quarta classe ainda a tirei. Fui fazer o exame a Almada, a uma escola oficial. Tinha à volta de 40 anos, 40 e tal. Ainda tinha vontade de aprender. A gente está sempre a evoluir, tem que acompanhar a evolução.