A minha mãe criava porcos. Criava, em casa, sempre um porco. No tempo que o meu pai cá esteve e que eu também estava em casa, eram dois e três. No dia da matança, chamava-se as pessoas amigas e de família para o ajudar a segurar. Matava-se o porco como é o costume: em cima dum banco. Aquelas tradições antigas. Depois, chamuscava-se com carquejas. Pendurava-se, abria-se e escolhiam-se as carnes. Os presuntos e as mãos salgavam-se. Depois fazia-se as chouriças e a minha mãe punha-as em azeite. Tinha uma tia que sabia... As minhas tias, irmãs da minha mãe, sabiam muito bem. Vinham ajudar. E nós também íamos ajudar a elas. Era assim.
Também fazia queijo. A minha mãe tinha umas mãos para fazer queijo que era uma maravilha. Até eu cheguei a fazer queijo. Punha-se o leite a coalhar com um bocadinho de cardo dentro duma panela vidrada. Coalhava-se. Depois punha-se um prato por cima da panela, quando a gente estava a fazer o queijo, e tirávamos à mão cheia para o acincho, que era uma formazinha. Depois calcávamos para sair o soro, o leite. Calcava-se e punha-se a secar num armariozinho com uma rede assim por fora e em cima dumas tábuas. Dava muito trabalho. Aqueles panos, a gente tinha de os lavar, de vez em quando, limpar e assim. Dava muito trabalho o queijo. Mas era bom. Valia a pena o trabalho.
Com o soro, quem queria comer ou ferver com farinha podia fazer isso. Eu fazia requeijão. Punha o leite que saía do queijo a ferver e punha-lhe um bocadinho de leite do bom, sem ser do queijo. Depois, aquilo atrapalhava, a gente tirava para uma formazinha e fazia-se o requeijão. Não se punha a secar. Tinha-se de fazer e comer. Eram detrás da orelha. E o queijo também.
O arroz de fressura é como o arroz de cabidela. É os miúdos dos cabritos, o fígado, o bofe, aquelas coisas e o sangue. O arroz de cabidela é o sangue quando sai do animal. E o da fressura, o sangue tem de ser cozido, primeiro. Depois, esfarela-se, quando já está pronto. Esfarela-se o sangue e é o arroz da fressura.
A tapioca é assim uns grãozinhos. É como o arroz, o que é, é outra coisa. É tapioca. Põe-se de molho dum dia para o outro. Eu costumo pôr dum dia para o outro. Ao outro dia, ferve-se com leite, como quem faz arroz-doce. Faz-se mesmo como o arroz-doce. Ferve-se com o leite, casca de limão e açúcar ao gosto. Eu, o açúcar, ponho ao gosto.
A festa anual é o dia 15 de Agosto, em honra de Nossa Senhora da Assunção. A do Santíssimo é o dia 10 de Junho. Até foi o dia que faleceu a minha irmã. Depois, temos a de Setembro, da Senhora das Necessidades. Quando eu era criança, havia mais gente. Mas agora ainda continuam. Fazia-se festa. Fazíamos arroz-doce, cabrito assado, cozido à portuguesa, coscoréis e pronto, era assim. Havia missa e procissão. Havia os andores, as pessoas, a Irmandade e os andores da igreja. A padroeira na nossa igreja é Santa Cecília. Temos o Senhor dos Passos, Santa Rita, lá para cima ao pé da Torre, aqui temos Nossa Senhora de Fátima, Mártir São Sebastião, Sagrado Coração de Jesus e São José. E deitavam foguetes. Era sempre uma alvorada de manhã. E era assim. Agora, por causa dos fogos, já nem deitam foguetes. Não deixam deitar e acho bem, por causa dos fogos.
Todos os anos na Páscoa, vem a visita pascal a nossas casas. Vem a Cruz para a gente beijar, vêm os elementos da igreja com a cruz e as outras pessoas. É a visita pascal. No meu tempo de criança, também era assim. Punha-se uma mesa, havia umas toalhas próprias, faz de conta que estávamos a fazer um altar. Punha-se um pratinho, uma laranja e o dinheiro que a gente quisesse dar ao lado da laranja. Era assim. Agora, já não usam isso. Agora, eu ponho sempre num envelope o que quero dar.
O dia 1 de Maio é o Dia das Cobras. Não se pode trazer nada para casa. Põe-se a flor da giesteira em todas as janelas que é para não vir a fome para casa. A minha mãe contava - isto contado por ela - que o meu avô tinha umas fazendas lá para - chamavam-lhe - a Corujeira. E a minha mãe diz que vinha de lá de pôr o comer aos animais, de tratar lá os animais do meu avô e trazia, esse dia, um pau de lenha à cabeça. No caminho, saltou-lhe uma cobra do pau para fora. Ela nunca mais quis nada em casa nesse dia. Nunca mais! E contava-nos isto.
O Dia dos Compadres é a quinta-feira antes do Carnaval. Fazíamos um baile. Depois punha-se os rapazes e as raparigas que havia como quem está a tirar um sorteio. E é um sorteio. Punha-se o nome dum rapaz numa saca e da rapariga noutra. Depois tirava-se o nome do rapaz e o nome da rapariga e os que calhavam os dois um com outro é que eram os compadres. Depois íamos dançar. Quando saísse a primeira valsa, ia-se dançar um com o outro. Ficávamos compadres para todo o ano e para sempre. Aqui no Centro já houve anos que fizeram isso. Ainda tenho dois compadres que saíram lá no Centro. Mas não dancei. Desde que o meu marido faleceu nunca mais dancei.
Antigamente, falavam que aparecia os lobisomens. Vinham lá do lado das Penedas Altas por ali abaixo a descer ao Outeiro. No meu tempo, falavam muito dos lobisomens. Diz que eram umas pessoas, uns homens que depois se transformavam em bois. Não sei se era assim, se não. Era o que se falava naquele tempo. São lendas.
Do João Brandão, falavam que passou por aqui, porque andava fugido e depois vinha-se aqui esconder. Agora, não sei. Isso não é do meu tempo. Ainda eu era pequenita. Ainda nem seria nascida. O que eu ouvi, também, era isso.