Eu tinha em Lisboa um rapaz do meu tempo que já lá trabalhava. Era um bocadinho mais velho do que eu. Disse-me que fosse, que alguma coisa se havia de arranjar. Saí daqui eram duas da manhã. Era de noite. Fui apanhar a camioneta a Vide, com uma lanternita por aí abaixo. Ainda foi lá uma irmã minha levar uma malita e caiu. Cheguei lá às cinco. A camioneta saía de Vide e ia direita a Lisboa, à Almirante Reis, a uma garagem que lá havia. Só cheguei à meia-noite, porque a camioneta ia dar a volta às terras. Foi pela Nazaré, por ali fora. Foi andar lá do outro lado, já não sei por donde. Já não me lembra por onde é que andou. Não conhecia lá nada e não gravei nada. Sei que cheguei à meia-noite. Estavam lá esses rapazes à espera. Sabiam que eu que ia. Eu não conhecia lá nada. Apanhámos um táxi. Levaram-me lá para casa deles. Fui viver para a Rua do Olival, onde eles moravam. Eram 17 ou 18 a viver num sótão. Lá me arranjaram para dormir com um rapaz. Dormiam dois a dois. Havia um que estava a dormir sozinho. Lá combinaram para eu ir dormir com ele. Fiquei lá um tempo. Eles foram trabalhar e eu fiquei por ali. Depois, andava aborrecido. Andei ali uma semana. Não arranjei trabalho. Não tinha expediente para isso e tinham que ser as pessoas a arranjar. Mas tínhamos lá muita gente conhecida daqui do Piódão. Juntavam-se todos para ali. Conforme as terras, assim se juntavam. Nós tínhamos lá um que se chamava Abílio João Marques. Até foi um que vendeu aqui tudo ao meu pai. Ele já lá estava estabelecido. Tinha uma mercearia e casa de comidas. Era a referência. Era o pai da malta toda. A gente ia lá ter com ele, era apresentado com os nossos amigos e dali começava a família. Era como agora os imigrantes lá da África, da Polónia e dos outros lados. Andei por ali e eles lá começaram a arranjar trabalho. A primeira vez que fui trabalhar, foi num senhor que tinha um poleiro para escangalhar lá num quintal. Fui para lá:
- “Há aqui isto para fazer. Tu vais lá ajudar o pedreiro.”
Não disseram quanto ia ganhar nem nada. Foi o primeiro trabalho. Lá me pagaram. Depois, logo me arranjaram para aquela empresa, a Colonial. Tinha lá pessoas conhecidas. Trabalhava lá um primo meu. Na Colonial, a gente tinha que picar e escovar as tintas velhas nos barcos para levar mais tinta e fazer limpeza por dentro nos porões. Cada vez que vinha uma carga era preciso fazer limpeza por dentro. E reparação, também tinha que se fazer. Na Colonial era só isso. Ganhava 28 escudos por dia.