Vivi numa data de lados. Quando fui para lá, assentei praça na Rua do Olival. Quando casei, fui viver para a Amadora. A habitação naquele tempo não era fácil, mas eu lá consegui arranjar uma casa com mais dois. Só tinha três quartos. Cada um foi viver para o seu. Uma cozinha para todos e uma casa de banho para todos. Já tínhamos uma casa de banho! Vá lá! Mas aquilo na Amadora era muito dispendioso. Os comboios ainda eram a carvão. A gente chegava a casa com as camisas todas sujas daquela poeira. Foi na altura que eu lá estava que passou a eléctrico. Depois, vim viver para diversos lados. Vim para uma casa na Rua da Cruz, Alcântara, mais um cunhado meu. Fomos viver os dois. Ele veio-se embora, para aqui, e eu voltei para a Amadora com mais um primo meu. Foi lá que morreu o meu miúdo. Depois, adoeceram aqui os meus sogros. A minha mulher teve de vir tratar deles, porque não tinha cá ninguém. Veio e eu fiquei lá sozinho. Andei por diversos quartos. Quando a coisa melhorou, havia lá um senhor na Pampulha que estava sozinho. Tinha-lhe morrido a mulher. Era um indivíduo com massa. Precisava de uma pessoa lá em casa. Perguntaram-me se queria ir para lá. A minha mulher ia fazer-lhe o serviço e não pagávamos nada da renda. Só tínhamos de pagar outras coisas, além de lhe fazer o comer, tratar-lhe da roupa e essas coisas todas. Fomos para aí. Mas a gente não se dava bem com o velho. Por isso, arranjei para a Cova da Piedade, para uma casita também. Fui enganado, que aquilo era muito húmido. Não se podia lá viver. Por motivos de doença, a mulher teve de vir outra vez para aqui e eu fiquei lá sozinho. Foi nessa altura que eu vi o que a casa era. Saía de manhã e fechava a porta. Enquanto ela lá estava, dava ar e conservava a casa. Ainda se ia suportando. Sem ninguém lá a viver... Até a roupa estava cheia de bolor. Então, eu disse:
- Isto não é vida!
Comecei a dar a volta ao miolo:
- Isto não pode ser assim! A gente apodrece aqui! Temos de sair daqui.
Andei à procura de casa, mas não fui capaz de encontrar. Um dia, eu mais um amigo fôramos ver casas que andavam a construir no Bairro do Feijó. Lá o construtor, com quem falei, disse:
- “Olhe, tenho aqui uma casa pronta a habitar.”
- Pronta a habitar?
- “O que é, é num rés-do-chão.”
- Mas esta casita até dava jeito. Se um dia fosse velho, até dava jeito o rés-do-chão.
Ainda tinha dois pisos por baixo de mim do lado de trás. Eu estava resvés com a rua, que era terreno desnivelado. Comecei a ver aquilo, falei com pessoas, indicaram-me como havia de fazer. Comecei-me a mexer. Tratei logo de uns contactos. Como é que havia de ser e como é que havia de se arranjar dinheiro... 217 contos custava a casa! Era muito dinheiro naquele tempo. Lá falei com uma pessoa que me indicou um sujeito. Ele disse que me tratava dos papéis, para me emprestarem dinheiro pela Caixa, a troco de eu lhe pagar uma certa importância. Tratei da papelada e, combinado com o construtor e com esse senhor que conhecia lá aquelas coisas da Caixa Geral de Depósitos, consegui o empréstimo! Naquele tempo não era qualquer um! Arranjei um sinal, fui lá e comprei a casa. Comprei no dia 3 de Janeiro e logo no dia 16 ou 17 fui lá para dentro. Porque na outra, eu não podia estar de maneira nenhuma. A mulher nem gostou muito, na altura. Eu julguei que ela ficava toda contente e tive uma desilusão: não gostou! Ainda por cima calhou de lá ir num dia de nevoeiro. Depois, uma dívida tão grande fez-lhe confusão. Ia tendo um esgotamento, mas lá aguentou aquilo. O empréstimo era assim: pagava a prestação e os juros do dinheiro de seis em seis meses. Mas para a outra prestação, já não pagava o juro da que descontava. Naquela altura, era uma modalidade boa. A gente à medida que ia pagando, ia abatendo na conta. Ia indo, ia indo, no resto já pouco pagava. Quando se deu o 25 de Abril, eu só devia lá uns sete ou oito contos. Arranjei o dinheiro, fui lá e paguei. Também tínhamos essa vantagem. Podíamos pagar tudo se quiséssemos. Era muito melhor que agora. Agora, isto não tem ponta por onde se lhe pegue. Depois, vivêramos lá uns 16 ou 17 anos. Pensáramos em vir para aqui e vendi.