O meu marido foi para África em solteiro. Depois, veio, casámos e fui para Moçambique. Estive lá 17 anos. O meu pai também esteve lá, o meu marido também e eu também. Tive uma filha na Ilha de Moçambique. A minha filha nasceu lá. Veio com 14 anos, por causa da guerra.
Havia muita gente da Benfeita em Lourenço Marques.
Fiz três viagens. Viéramos cá duas vezes de férias. Fiz três viagens de barco, porque naquele tempo não havia viagens de avião. Havia, mas eram muito caras e a gente ia de barco e vinha. A primeira vez que fui, fui no barco Mouzinho. Fui com o meu marido. A viagem era boa. Não fazíamos nada! Era boa. Chegámos a Moçâmedes, foi bater numa rocha. Havia muito nevoeiro, foi bater numa rocha. Estive em Cape Town uma semana até que soldassem aqueles furos do barco. Depois venderam-no para o Brasil, nunca mais viajou o barco Mouzinho. Era um barco velho já, antigo. E foi assim. Demorámos 49 dias. Parávamos em todos os portos. A primeira vez que fui ainda nem havia cais em Luanda, nem na ilha da Madeira. As outras, viajei no barco Moçambique e no Angola, mas isso demoravam menos tempo. Era aí uns 27 dias ou assim. Mas aquele como teve aquele azar, demorámos mais tempo.
Lá, era diferente, mas não foi difícil adaptar-me. E o mais estive sempre nos matos, nas plantações. Havia lá muita gente boa nas plantações. Muita gente, muitos trabalhadores. Havia os empregados de campo, havia os empregados das fábricas e era assim. A minha prima, a do Areal, que é minha comadre, esteve muitos anos em Lourenço Marques, mas quem esteve só na cidade de Lourenço Marques nem sabe o que foi a África.
O meu marido trabalhou com algodão, com fábricas de arroz e agora a última foi fábrica de sisal. Estivemos em duas plantações e ele era o mecânico que dirigia as fábricas e as tratava. Ele é que mandava e orientava a fábrica e quando havia avarias, punha a trabalhar. Muita vez, faz de conta que era o médico. Vinham-no chamar de noite quando havia uma avaria na fábrica. Eu estava em casa. Fazia costura e a minha vida de casa.
Voltei de África para cá quando foi da guerra. A gente não podia lá estar. Ainda vivi oito anos em Coimbra, quando a minha filha esteve a estudar. Ela tirou o curso e viéramos para aqui, para a Benfeita, eu e o meu marido. Vim para aqui. Eu trabalhava no campo e fazia a minha vida em casa. Cheguei a ter e hoje ainda tenho galinhas. Só tenho quatro, mas ainda as tenho. Tinha galinhas, tinha uma cabrinha e duas ovelhas. O meu marido também. Tratava as videiras, podava, só para nós. Íamos ajudar às pessoas de família e amigos. Eles também vinham a nós. E era assim. Depois, o meu marido faleceu e eu cá continuo. Já cá estou há uns 30 e tal anos. Fiz assim esta vida. Agora é que já não posso fazer nada. Já tenho muita idade. Ainda gosto de fazer, ainda vou fazendo, mas já não é o que era.