Um dia pensei em ir-me embora da aldeia. Eu pedi ao senhor padre que gostava muito de ir para a vida religiosa, de ser freira, porque era a minha vocação. Ele perguntou-me se eu tinha irmãs ou irmãos. Disse-lhe que tinha irmãos, mas que não estavam cá. E se tinha alguma irmã. Eu disse que não, que não tinha, tinham morrido quando eram pequenas. Então, ele disse-me assim:
- “Não! Olha, minha menina, ainda és muito nova! Quando fores mais crescida e que os teus irmãos estejam a acompanhar os teus pais, então, nessa altura, vais. Mas tu agora ainda és muito pequena.”
Eu ainda pensei em ir, porque houve uma rapariga do Piódão que se foi embora, fugiu aos pais. Mas pensei assim:
- Então os meus pais, coitados, levaram tanto trabalho connosco e agora vou deixá-los para ir cuidar de outras pessoas? Então, deixo-me estar na minha terra.
E depois ficou assim. Fiquei na minha terra. Quando os meus pais morreram - já há muitos anos - ainda pensei em ir. Mas lembro-me assim: então, se eles não gostavam que eu fosse freira quando eram vivos, ia agora para quê? E depois, mesmo quando eles morreram, eu também já tinha mais idade. O que é que lá ia fazer? Querem lá as meninas novas para trabalhar. Digo eu, não sei. Nunca lá fui. Essa rapariga do Piódão que fugiu, continua ainda. Mas houve mais duas que voltaram logo, não gostaram. Ali também se sofre muito. As raparigas são muito sacrificadas. Mas nós antigamente, se quiséssemos trabalhar, também não faltava que fazer. Ajudar as pessoas velhinhas, os meninos e, em primeiro lugar, a nossa família, os nossos pais. Nunca os deixei ir para casa dos meus irmãos. Eles queriam-nos levar, mas eu nunca deixei! Disse-lhes:
- Enquanto eu puder, os meus pais têm que morrer é na casa deles, que é onde eles estão bem! Se os vou tirar daqui para fora, depois quem é a responsabilidade? É da Maria?
- “Ai, mas depois chegas a um tempo que tu ainda te pões pior do que eles!” - disseram os meus irmãos.
- Deixá-lo! Então, estou a fazer a minha missão! Se eu morrer estou a fazer a minha missão! - disse eu.
Eles ainda diziam:
- “Vai agora dormir! Vai agora descansar um bocado. Tu já estás pior do que eles!”
- Não, não! Ide lá para as vossas casas e para as vossas camas, que eles estão bem é comigo! Comigo é que eles estão bem. - dizia eu.
E os meus pais punham-se todos felizes comigo. Nem se sentiam bem com os filhos, nem com as noras, nem nada. Eles queriam era a Maria ao pé deles. Era a Maria e pronto. É assim a vida. A gente, se quiser rezar e fazer bem, fazemo-lo na nossa casa e na nossa terra. Não é preciso ir ajudar pessoas para longe.