Apanhava-se o milho, punha-se em casa e malhava-se. Malhar o milho era debulhar. A gente, cá, uma parte, era com um pau que se debulhava. Ao fim, o resto era à mão. Íamos um dia a um lado, outro dia a outro. Juntavam-se todos para debulhar. Todos, não era bem o termo. Em minha casa, eu convidava aquelas pessoas que mais confiança tinha. Juntavam-se ali rapazes e raparigas. As raparigas cantavam. Geralmente, onde caíam as raparigas novas, caíam os rapazes. Sempre. Às vezes, naquele tempo, aparecia uma espiga com o milho vermelho e havia aquela brincadeira.
- “Olha, apareceu aqui uma espiga vermelha!”
-“Olha, uma espiga vermelha. Um beijinho! Vamos lá embora!”
E começavam com aquelas brincadeiras que havia. Era quase todos na brincadeira. Onde caíam raparigas e rapazes, aí é que se juntava sempre tudo. O resto eram os velhotes.
Ao outro dia, era para os estendais, para ao pé do cemitério, para secar. Lá estava a pessoa a carregá-lo às costas outra vez para lá. E dali se secava. Andava ali três, quatro dias ao sol. Daí, tornava a vir para a arca e da arca para o moinho para fazer a farinha. Moía-se o grão, ficava a farinha. E fazia-se o pão. Não vinha cá o padeiro vender.
Cada um tinha o seu moinho. Isto aqui na ribeira “pia baixo” havia muito moinho a água. Ainda estão aí. Quase todas as famílias tinham um. Geralmente, todos tinham parte de um. Era dividido por dias e noites. O moinho de onde o meu pai tinha parte era do meu bisavô. O meu bisavô morreu, ficou para os quatro ou três herdeiros. Era a minha avó, era o António Francisco, o Abílio Francisco e o Artur. O Artur foi para a Figueira, ficaram cá três. Ficou para três. Mas ao fim, essa parte desses três, no tempo do meu pai, já era de 12. De nove em nove dias já tocava só um dia com uma noite ao meu pai. Por acaso, ele até moía bastante milho.
Todos tinham onde moer. Ninguém pagava nada a ninguém para moer a farinha, porque havia muitos aqui, mesmo muitos. Tinham é que os mandar arranjar, afinar e aquilo tudo. Ainda havia: um, dois, Pascalhal três, Cerejeira Preta quatro, os da Covita cinco, o nosso seis, o da Ponte de Cima sete, o da Ponte de Baixo oito, o dos Chãs nove e lá vai o dos Castanheiros dez. Só aqui para a povoação, dez moinhos a moer o milho para fazer o pão para todos. Ao fim, já fizeram mais alguns.
Para cozer, havia o forno comunitário que ainda hoje existe, só que não está a trabalhar. Havia mais. Naquele tempo havia mais dois fornos. Era um do senhor Antonino lá em cima e era um, que foi do meu avô, que era aqui onde está a parte de trás da igreja. Quando lá a assentaram é que o botaram abaixo. A igreja levou um acrescento nessa altura e deitaram esse forno abaixo. Era onde se fazia o pão.
Começava a cozer, supomos, à quinta-feira à noite. Era até sábado à meia-noite, sempre a cozer broa. Cada um a sua. Agora cozia eu. Outro juntava-se, porque o forno levava 40 broas. A seguir, tirávamos as nossas, punha lenha para dentro a arder e metia outro pão lá dentro. Entrava esse, saía outro. Aquilo era assim, por vezes.
Ao ir para o forno, as mulherzinhas punham um sinal nas broas. Uma fazia-lhe um buraco só com um dedo, assim um coisinho com o dedo. Outra apertava um bocadinho de farinha. Chamava-se cá um belisco. Outra punha dois buracos e outra punha-o sem nada. Quando estava cozido tiravam-nas para fora que todas elas se conheciam por aquele sinal.