Naquela altura, comiam e bebiam o que tinham. Não comiam nem bebiam mais, que não o tinham. Toda a gente tinha queijo com fartura para comer. Toda a gente criava um porco e matava. Toda a gente tinha essas coisas. Hoje em dia, não. Havia muitos que conforme o tinham, vendiam. Vinham aí umas pessoas comprar. Outros não vendiam. Conforme o tinham, assim gastavam. O vinho cá é verde, é fraco, mas muitos não bebiam mais, porque não havia. Bebiam aguardente e tudo. Aguardente então... Aqui, bebia-se muita aguardente.
Havia muita aguardente de medronho, nessa altura, aqui. A partir aí de Setembro, Outubro a gente passava o tempo a apanhar medronhos por esses outeiros. Eu tive anos de apanhar medronhos que davam cento e tal litros de aguardente.
Metia-se o medronho numa dorna e ele ferve, fermenta. Ao deixar de ferver, vai ao alambique e deita aguardente. Ao alambique antigo, não é como eles agora. Usam essas máquinas que não valem nada. Eu, por acaso, ainda tenho um alambiquezito desses antigos. E como fazia, ainda sei fazer.
No ano passado, apanhei uns cachitos e ainda fiz aguardente. Só que não a posso beber. Não posso, mas de vez em quando lá vai. O médico diz que faz mal. Faz mal, mas eles bebem-na.
Uma bebia-se, outra dava-se e tudo se gastava. Ia tudo. Agora não. Fala-se tanto nisso. Não há aí ninguém que vá apanhar nada. Os medronhos que por aí há, está tudo na mesma, estão todos cheios de mato. Naquela altura, apanhava-se tudo. Apanhava-se medronhos, apanhava-se castanhas, apanhava-se tudo. Agora não há cá gente para trabalhar. Isto está um bocado mau. É assim a vida. Isto aqui foi sempre duro.