Tudo começou quando eu estava em Lisboa fui para lá em 1981. Fui para a tropa em Setembro de 1983 e saí em Dezembro de 1984. Tirei a carta de condução mas não tive possibilidades de comprar logo um carro. Entretanto, passaram dois anos. Para aí em 1986, comprei o primeiro carrito. Um carro usado. Lembro-me que era um Honda Civic preto. Nunca tinha feito uma viagem longa e lembro-me que, naquela altura, vim passar umas férias em Agosto e trouxe o carro. Entretanto, o meu pai tinha o comércio na mesma e precisava de alguns produtos. Havia uma feira mensal em Vide, eu ia lá e como sabiam que eu tinha o comércio, as pessoas que trabalhavam no campo e que tinham produtos agrícolas, batatas ou feijão, ofereciam-me os produtos. Diziam:
- “Olhe lá, tenho aguardente, tenho feijão, tenho batatas, se precisar de comprar, tenho excedentes, que não gasto para consumo próprio.”
Vendiam e se eu quisesse, ia buscar. Então quando precisava alugava uma viatura, que não tinha carro próprio e ia aí com uma camioneta e trazia. Nessa altura, como eu vim com o carro, ele pediu-me para eu ir à zona de Vide, a 12 quilómetros, buscar umas aguardentes que uma senhora lhe ofereceu. Pusemos aquilo às bilhas na bagageira do carro. E lembro-me que ela, que hoje é a minha mulher, morava lá, eu não a conhecia de lado nenhum e eu ia a passar e via-a. Estava na janela e olhei. Ficou-me sempre a imagem daquela miúda, daquela rapariga que estava ali na janela, a sorrir. Passado um ano e tal ou dois, houve uma festa que fazem, a Nossa Senhora da Ajuda, na Malhada. E eu sei que vim, novamente, de férias, e calhou nessa altura, de Setembro. A rapaziada juntou-se aqui no Piódão, mais ou menos da minha idade, 20 e tal anos e:
- “Olha para onde é que vamos agora à noite um bocado?”
- “Olha vamos dar uma volta? Vamos até à Malhada. À noite vai um grupo abrilhantar a festa, um bailarico.”
Então fomos todos por aí abaixo. E ela lá andava no bailarico. As raparigas começam a dançar umas com as outras, andam duas a dançar uma com a outra, e vão os rapazes desapertar, que é como chamam. Um dança com uma, um dança com outra e a mim calhou dançar com ela. E começámos a conversar. Eu contei-lhe a história que já a conhecia, sabia que ela era dali porque tinha-a visto ali. Ficou-me na memória a imagem dela, mas não andava a pensar sistematicamente no assunto. Tinha sido ela, como tantas outras, que eu tinha visto nas mesmas circunstâncias. Mas começámos a conversar e aquilo começou a despoletar ali qualquer coisa. Mais tarde, já houve a intenção mesmo de fazer uma abordagem. Achava que estava na idade de namorar e pronto. E até já tinha tido possibilidades. Em Lisboa, andava num grupo folclórico, que é aqui da região mas tem sede em Lisboa. Eu tinha o meu par e conhecia várias raparigas mas nunca houve a tendência de me amarrar, como se costuma dizer, a qualquer uma delas. E ali houve qualquer coisa que me puxou para lá e começou a haver, realmente, essa intenção. Perguntei-lhe o nome e tal. Mais tarde, como tinha ficado com o nome e sabia a morada, escrevi-lhe. Ela não se mostrou muito receptiva. Acho que nem ligou muito àquilo e até houve uma altura que pensei que ela se tinha esquecido mas, depois, lá mandou uma resposta. E, pronto, aquilo depois foi seguindo. Mas ainda houve uma altura complicada. Quando se anda nessas aldeias, há sempre tendência de haver umas bocas, que até nem são bem verdade. Começaram a meter-lhe coisinhas na cabeça, que eu até estava aqui no Piódão, que tinha vindo de Lisboa. Acho que até lhe chegaram a dizer que eu tinha vindo fugido, porque me tinha metido lá num burburinho qualquer e que se ficasse lá que me podiam prender. Começaram assim a armar um burburinho que não tinha nada a ver com a realidade. E eu expliquei-lhe que não tinha nada a ver com isso. Que eu andava à vontade, que não tinha nada a esconder. Pensava eu que era para acabar mesmo. Mas, aquilo acalmou e, entretanto, já havia qualquer coisa especial e acabou por seguir. E acabámos por juntar os trapos, como se diz.
Normalmente, eu ia ter com ela, em casa dela e estávamos ali. O pai também é um bocado conservador e não dava muita liberdade. Mas um dia encontrámo-nos em Vide, ela foi tratar não sei de quê, na farmácia, eu fui ter lá com ela e depois trouxe-a para cima. Falámos que andámos uns tempos bons e eu não tinha a intenção de andar a passar tempo, a brincar, a minha intenção era mesmo séria. E eu achava que estava na altura de a gente seguir o caminho. Ela ficou um bocado... Ela própria, se calhar, andava desconfiada que eu poderia andar com intenção de andar uns tempos e depois afastar-me ou assim. Ao mesmo tempo ficou satisfeita com a abordagem que eu lhe fiz nesse sentido e parece que ficou surpreendida. E eu disse-lhe que tinha a intenção, que era tradição e que se ela gostasse que eu falasse disso ao pai, tudo bem, não tinha problema nenhum. Na semana seguinte ou daí a uns dias, fui lá e manifestei isso ao pai. O pai é um bocado mão de ferro, é um bocado duro. Ele gostou que lhe dissessem mas disse:
- “Isso é com ela e tal” - tentou um bocado - “é com ela.”
Mas, pronto, ela já sabia. Eu tinha de lhe dizer a ele mas ele depois tentou dizer que era com ela. Mas a coisa seguiu. Foi assim dessa maneira.