Eu tinha 13 anos quando acabei a escola e fui fazer uma experiência a Lisboa. Estive lá dois ou três meses. Mas eu tinha 13 anos, tinham ficado os irmãos, os amigos todos, mais ou menos daquela idade, e foi difícil a adaptação lá. Na altura, acabei por regressar. Nesses meses trabalhei numa casa de pasto, como chamavam naquele tempo. Também serviam algumas refeições. Era na Rua do Conde, junto ao Museu de Arte Antiga, nas chamadas Janelas Verdes, em Santos. O proprietário era natural do Piódão mas já tinha falecido. E era a viúva, a esposa e a filha, que estavam a gerir aquilo, na altura. E eu servia de moço de recados. Ia com a ementa que se servia diariamente lá na casa de pasto àquelas empresas na zona. Ia lá dizer:
- Olhe hoje temos esta ementa, com estes produtos, com a carne, o peixe.
E eles faziam a escolha. Mediante a escolha que eles faziam, eu vinha, novamente, à casa de pasto. Era como se a comida fosse feita por encomenda. As pessoas escolhiam e quando chegavam aquela hora, porque tinham uma hora para a refeição, tinha que aquilo estar pronto. Para comerem e irem, novamente, para o trabalho. Aquilo funcionava assim e eu é que andava nestas tarefas de ver o que é que as pessoas queriam. Ia com a patroa à Praça da Ribeira, lá em Lisboa, junto ao Cais de Sodré, buscar os produtos que eram necessários, as hortaliças, frutas, peixes, carnes. Lembro-me que íamos de eléctrico, não tinha viatura própria. Íamos de eléctrico e nos transportes públicos é que trazíamos essas mercadorias. Eram essas tarefas de apoio que eu fazia, aquelas tarefas que se ajustavam mais à minha idade. E lá dentro na própria casa, à hora dos almoços, também ainda ia servindo, quando me pediam bebidas. Foi aí que eu também comecei a tomar um bocado de noção do que era trabalhar no comércio, a pôr a comida na mesa. Elas faziam na cozinha e chamavam-me. Nós trazíamos a comida, trazíamos as bebidas e tinha uma pessoa a fazer a gestão das coisas.
Estive lá uns dois meses e o combinado era o quarto, mesa, comida e a roupa lavada. E, ao fim de dois meses, em 1975, deram-me 300 escudos, na moeda antiga. Era cento e poucos escudos por mês. Aquilo era simbólico praticamente. Como nos tinham naquela idade, como eles diziam, governavam-nos. Aliviávamos a carga dos pais, íamos aprendendo alguma coisa, mas não era significativo aquilo que nos davam. E aquilo que vinha entregávamos aos pais. Não estávamos habituados a gastar o dinheiro connosco. Os pais é que, se era necessário alguma coisa é que nos compravam alimentos ou calçado, tudo isso. Naquele tempo, o que era importante era que, em famílias de sete, oito filhos, mesmo que só lhe dessem a dormida, a comida e a roupa lavada, tirar um era um alívio para os pais. E, diziam eles, que ia aprendendo, ia abrindo os olhos, como se costuma dizer, para no futuro vir a ser alguém. Era mais isso.