O meu pai é Manuel Lopes dos Anjos. A minha mãe, Olívia de Jesus Pereira. Também são naturais de cá do Piódão. São camponeses. Não sabem ler nem escrever. Tratavam das leiras, das terras e tinham umas cabrinhas. Agora mal se vêem, mas na altura, eram cabras por todo o lado. Toda a gente tinha. Nem que fossem só duas ou três. Aqui não havia muitas profissões. Camponês seria a profissão básica. E era o que eles eram. Tinham umas fazendas, adquiridas por eles mesmos. Também tinham umas outras que amanhavam e pelas quais pagavam uma quota, que naquela altura era em géneros, porque dinheiro, não havia. As trocas eram em géneros. Uma pessoa dava feijões, a outra dava ovos. Essas terras eram de pessoas que não estavam cá. Estavam em Lisboa. Os meus pais davam uma determinada quantidade sobre aquilo que produziam. Muitas vezes, até havia o caso em que esses senhores não queriam as coisas, porque não faziam nada com 5 alqueires de milho ou 5 quilos de feijão. Tinha a minha mãe que tentar vender a outras pessoas, à feira ou, se for preciso, ir daqui à Covilhã vender, para dar o dinheiro ao dono das terras.
O meu pai fazia alguns trabalhos quando começaram a abrir a estrada. Ia também para as Minas da Panasqueira. Não é assim tão próximo. Ainda é um bocadinho. Nas Minas, penso que estava na exploração. Não era propriamente mineiro. Acho que era ajudante. Contava-nos que aquilo era muito difícil. Era difícil chegar lá, porque iam a pé, o trabalho era difícil e o ordenado também era magríssimo. Não dava para nada. De maneira que era tudo mau. Não tenho recordação nenhuma de ele me ter dito alguma coisa boa. Naquela altura, não tinham grandes meios de protecção. Dizia que era um pó terrível. Muitas vezes tinham que fugir daquele pó, porque se sentiam mesmo sufocados. Não é por acaso que muitas pessoas daqui da zona, não só aqui do Piódão mas das outras aldeias que fazem parte de freguesia, morreram. Ainda conheci muitos que morreram com esse mal das minas que era a silicose.
Lembro-me mais da minha mãe porque o meu pai andava fora. Ela era como se fosse um homem. Eu cheguei a ouvir pessoas a dizer que antes queriam a minha mãe do que dois homens! Era um braço de trabalho fora de série. É verdade. Ela era tramada para o trabalho. Era uma moura, como se costuma dizer.