O primeiro trabalho que a minha mãe teve foi em 1947. Foi o primeiro ordenado que ela ganhou. Para a mãe dela, claro. Tinha ela 12 anos. Era bastante nova. Foi para a Borda d'Água, uma das quintas dali dos arredores de Lisboa. Levou de casa uma malguinha, onde comia as papas. A mãe tinha-lha dado. Como era o primeiro trabalho, deu-lhe a malguinha. Mas que eram as papas? Era farinha de milho cozida só com azeite. Muitas vezes também juntavam um bocadinho de toucinho, parte dele já rançoso. Era perto de Lisboa, mas a miséria continuava. Um dia, a minha mãe comprou umas sardinhas. Tinha lá a malguinha em cima com as sardinhas. Quando deu por ela, já um gato as tinha comido todas. E além de as comer todas, ainda mandou a malguinha ao chão. Partiu-se toda. Depois, ela mandou arranjar a malga, porque não se comprava. Meteram uns ferrinhos. Arranjar era mais fácil. Ainda a tenho de relíquia. Está gira. Mas não é só aquela. Eu tenho aí montes de peças que eram arranjadas. Não se compravam coisas novas, como hoje. Não estávamos propriamente na altura do deita fora. Era tudo reparado. Só mesmo em último caso, se não tivesse mesmo reparação, é que se deitava fora. Claro, reparar sempre era um pouco mais barato do que comprar. É óbvio.