O meu primeiro ordenado durante alguns meses foi 100 escudos. Mas não tinha horário. Era até o trabalho acabar. Começava às nove da manhã e se fosse preciso estava lá até às onze da noite. Éramos altamente explorados. Ganhava 100 escudos, mas fazia o trabalho que fazia. Mais do que um indivíduo que já estava a ganhar 1000 escudos, por exemplo. Era assim a lei da vida. Aconteceu comigo, aconteceu provavelmente com outras pessoas da minha idade. E mais velhos, se calhar ainda pior. Mas tinha uma vantagem. Quem quer mão-de-obra barata também cria as condições. Nós tínhamos comida, dormida e roupa lavada. Tínhamos ali tudo, para obrigar a gente:
- “Não, não podes fugir assim de qualquer maneira, porque tens aqui tudo.”
Mas até aos 20 anos o meu dinheiro foi sempre para os meus pais. Ajudei-os até essa idade. Coisa que hoje em dia não se faz. Desde que fui trabalhar para Lisboa, aos 12 anos, até aos 20, todo o dinheiro que eu ganhava era para os meus pais, porque eu tinha muitos irmãos - tinha nove - e sabia perfeitamente que os meus pais não tinham possibilidades de lhes dar boas condições de vida. Eu, na altura, estava a trabalhar para eles.
Depois continuei no mesmo ofício. Não devia ter continuado, porque as coisas têm uma certa duração e a gente também deve fugir. A partir de uma certa altura, comecei a ter mais responsabilidade, a ganhar mais, e isso foi andando, andando e nunca mudei. Mas acho que devia ter mudado, porque hoje o meu ramo está mesmo em baixo. Actualmente, tenho um pequeno comércio, uma loja pequena, especializada em vinhos bons, artigos de lacticínios e enchidos. No entanto, não é viável, porque, temos os hipermercados aos montes. E o comércio tradicional está cada vez a cair mais. Em 2001, deixei de ser empregado. Em 2002, quando entrou o euro, comecei a trabalhar para mim na minha loja. Mas em 2001 ganhava, em escudos, cerca de 200 contos. Era o meu ordenado como empregado. Actualmente, tenho mais responsabilidades e não tenho 1000 euros para mim. Actualmente, não ganho 1000 euros. Ganho menos. Quer isso dizer que devia ter fugido desta profissão, mas aconteceu.