Também falavam no lobisomem. No meu tempo, já falavam nisso. Eu até vi uma vez uma cena dessas que até chorei. Havia dois irmãos na terra da minha mulher, a Moura da Serra. Um era lobisomem. Diziam que era lobisomem quem passasse e se deitasse no bosteiro de um cão. Ficava a ser um cão. Se fosse de um burro, fica a ser um burro. Se fosse no que uma galinha faça, era uma galinha. Mas era só da meia-noute em diante. Àquela hora tinha que sair. Onde se despojasse é que tinha que sair. E onde se despojasse é se formava naquilo. Andavam a vaguear por aquelas ruas a fazer barulho. E se as pessoas que estavam em casa ouviam aquele barulho, quando vinham cá fora não viam nada. Não tinham poder de ver. Depois, passava. Depois de dar a volta que tinha a dar e correr uma terra ou duas ou três com aquele sino colado, em chegando àquela hora tornava a voltar ao mesmo natural que era.
E esse irmão era desgostoso de assim ser. Disse para o outro:
- “Ó irmão, tu tiravas-me este defeito que eu tenho. Só tu é que me podes tirar este defeito.”
E ele:
- “Se eu pudesse...”
- “Tiras. Tu tiras-me este defeito.”
E o irmão disse:
- “Faço tudo o que tu quiseres!”
- “Então, olha, vais para o palheiro de tal maneira assim, assim. Eu à meia-noute tenho que sair e tu levas uma aguilhada do carro de bois e quando me vires ir a passar, espetas-me. Em botando sangue, já não fico mais lobisomem” - disse o irmão para o outro.
Que é que o homem fez? Fez o que o irmão mandou. Coitadito, foi para o janelo, ele ia a passar, pumba! Espetou-lhe a aguilhada num olho! Não via lá de dentro onde espetava, espetou-lhe um olho e cegou o irmão. Quando chegou ao pé dele:
- “Ai! O que eu fiz!”
- “Deixa lá irmão, não foi por mal, deixa lá...”
O homem ficou cego. O irmão é que o cegou. Mas como botou sangue, já não ficou mais lobisomem. Seria assim? Não sei se é, se não é. Antigamente, era assim, agora já não falam em nada disso. Agora, a mocidade só quer cantar e dançar e pronto. Mas, antigamente, havia essas coisas. Diziam até que cada terra tinha o seu. Só podia haver um em cada terra. E havia poucas terras que não tivessem.