Tinha 6 anos quando viemos para a Mata da Margaraça. Decidíramos ir para lá, porque antes arrendávamos terras. O patrão, o dono da propriedade, dizia assim:
- “Tendes de me dar tantos alqueires de milho, tantos de feijão e tanto de batata.”
E a gente trabalhava um ano inteiro a cultivar o milho, o feijão, a batata e quando chegava o dia de São Miguel, ia tudo para o dono da propriedade. O feijão ia todo, a batata ia toda, o milho ia todo e a gente, ao fim do ano, ficava com nadinha para comer. Os patrões já sabiam o que as propriedades davam. Se desse 20 alqueires, diziam que queriam 20 alqueires. Se aquilo dava 20 alqueires e eles levavam 20 alqueires, ficávamos sem nada. Mas mesmo assim, alguns ainda iam pedir as fazendas aos patrões de noute, para ninguém saber que iam lá. Havia falta de terra. Havia muita gente para cultivar e não havia fazenda para todos. Então, se queríamos comer, tínhamos que andar a comprar uns alqueiritos de milho. E, de tempos a tempos, coziam-se umas broas. Comia-se o dobro, naquele tempo. Era o dobro, se o houvesse. A gente, nova, a trabalhar de manhã à noute... Chegava-se o fim do dia, comiam-se aquelas broítas e tal. Em acabando o milho, vinha-se buscar outro alqueirito a outro lado. Era uma miséria! Uma vida de escravidão. Uma vida ruim. Agora não. Agora já uma pessoa vive mais ou menos.
Quando os meus pais vieram para a Mata, começámos a viver melhor. Só o primeiro ano é que foi mau. Eu cheguei a comer urtigas cozidas! Urtigas! Uma coisa tão má que morde as mãos! Hoje a vida já está de outra maneira. Não somos obrigados a comer palhas e maravalhas. Quando não gosto, não como. Isso é verdade. Mas a vida na Mata também era custosa. A Mata, de Inverno, era o fim do mundo. Frio, gelo... Caíam ali camadas de neve que a gente, para ir buscar palha para os animais, tinha que ir com uma enxada abrir um caminho por aí abaixo. A neve chegava pelo meio das portas. O gelo era um fim do mundo. Não dava sol. A gente só apanhava calor quando andava a trabalhar. O gelo botava-se debaixo duma árvore e, pronto, já ali não havia calor. Nada! Sempre ali fresquinho... Ainda lá está uma casa na Mata. Aquela que lá está era a casa duma feitora. Chamavam-na Albertina. Era uma mulher que tomava conta da terra do dono da Mata. Às vezes, ele lá vinha. Tinha uma mula. Vinha de 15 em 15 dias, de três em três semanas.
Naquele tempo, tudo cultivava. Tudo tinha fazenda. Tudo tinha muito milho, muito feijão, muita batata, muito azeite. Aproveitava-se todo o azeite que aí houvesse. Agora já ninguém aproveita uma azeitona. Nas fazendas, está tudo em silvas. Tudo relva. Ninguém cultiva uma qualidade. Mesmo aqui ao pé da povoação ninguém cultiva nada. A fartura das comidas acabou com tudo. Tudo o que a pessoa agora come é comprado. Vão comprar a Côja, vão comprar à Benfeita. Quem tem carro vai a Arganil, àqueles “marchés” onde vêem que é mais barato. E cada um se arranja como pode. Mas da fazenda é que não há! Acabou tudo. O que afracou o nosso Portugal foi isto. Foi deixarem de cultivar. Foi um arruinamento muito grande. Uma coisa louca, uma coisa maluca.