Agora não há cá rapazes na terra. Eles, em tendo a “casca fora do rabo”, voltam-se para Lisboa ou para Coimbra. Vão perguntar empregos para trabalhar. Isto aqui não dá. Na altura que eu me criei, não tinha agilidade para isso. Havia Lisboa e dizia-se:
- “Vamos para Lisboa! Vamos para Lisboa!”
Mas também, conforme aqui era miséria, lá também era a mesma coisa. Lisboa tornou-se bom há coisa de uns anos para cá, quando o dinheiro começou a evoluir. Quando começou a coisa a compor-se. Antigamente, daqui iam para a venda, para Lisboa. Vender naquelas ruas. Andavam lá com as gigas à cabeça e às costas. Um caldeiro de cada lado às costas a apregoarem por aquelas ruas a frutazita. A maçã, a pêra, a cereja, as nêsperas, tudo isso. Apregoavam, a pessoa descia dos prédios e vinha comprar à rua. Agora há esses lugares, esses “marchés”, e já não é preciso nada disso. Mas naquele tempo era diferente. Era na rua que vendiam a fruta. Era lá miséria, também. Uns mais deles regressavam cá à terra e depois para irem para lá outra vez tinham de pedir dinheiro emprestado. O que eles traziam, comiam-no cá e não chegava para voltar. Eles vinham cá de amiúde. Alguns deixavam cá as mulheres, outros tinham cá os filhos. Mas o pouco que traziam, voava. Depois, queriam ir para baixo, tinham de se chegar ao pé duma pessoa qualquer:
- “Olha, empresta-me aí tanto, que depois mando-te para cima.”
E tinham que ir por dinheiro emprestado. Era a vida naquele tempo. Hoje já não é assim. Já não há miséria. Hoje há pessoas aqui da terra que andam em Lisboa e vivem bem.