Eu estive na Fraga da Pena oito anos a vender bugigangas, bonecos, coisas de todas as qualidades que ia buscar a uma casa em Côja. Ia lá, comprava às caixas e vendia ali muito bem. Começou assim: há aqui um rapaz - chamam-no Jorge - que fazia colheres de pau. Tinha três filhos pequeninos. E só com os abonos, não dava para os guardar. Então, pôs dois filhos, um mais abaixo e outro mais acima, a vender colheres e cestos. Só isso. Eles, coitaditos, lá faziam o negociozito deles. Quando não havia negócio, não faziam nada, pois claro! Um dia, digo cá para comigo:
- Eu podia ir ali em baixo à fábrica a Côja, comprava lá uns bonecos, uns Pais Natal e essa coisa assim e ia para ali vender.
No primeiro dia, foi uma maravilha! Aquilo correu tudo bem. Quanto levei, quanto vendi! Comecei-me a acostumar àquilo e estive lá em cima oito anos. Quando comecei, não me lembro. A idade que tinha, não estou lembrado. Ali fazia-se bom negócio. Vinha muita gente. Às vezes vinham duas excursões. O largo estava sempre atacado de carros! Chegaram a estar lá 30 carros juntos! Muitas vezes, muitos domingos. Trouxe de lá muita vez 70, 80, 90, 100 contos. Muita vez, muita ventura. Agora, ainda há pessoas, que me viam lá, que passam por aqui, cumprimentam-me e abraçam-me. Até mulheres!
- “Oh! Então você agora já lá não está?”
- Agora acabei com aquilo. Depois que me deu o AVC, fiquei um bocadito azamboado da cabeça e deixei-me de ir para lá.
Mas também tive lá bocados maus.
Vinha ali muita gente velhaca. Maus. Mas outros bons. Até demais! Muitos são bons até demais. Eu cheguei a lá ter pessoas que, às vezes, me deixavam 10 mil réis - naquele tempo chamavam-lhe 10 escudos. Botavam-me por cima das pernas ou em cima das coisas:
- “Tome lá que é para você beber uma cerveja logo quando lá chegar.”
Ainda lá tive muitos desses. E outros então eram torpes como arrochos. Encontrava lá de tudo. Mas nunca me bateram nem nunca lá tive desavenças com ninguém. Depois, também me aborreci daquilo. Era uma chatice. Sábado e domingo, todo o dia amarrado, sentado, ao calor, ao sol. De início ia sozinho. Mais para o fim, começou a haver mais esta malandragem e a minha mulher já ia comigo. Agora, o povo está mais bruto. Já não obedecem a nada. É uma coisa louca. Agora já me lá não dava. Agora já não...
Só vendia nas estradas. Para fazer uma venda num lado qualquer tem que se pagar uma comissão. Se for vender colheres para Coimbra ou para um lado qualquer, tenho de ter uma referência para a poder vender. Um alvará, ou como é que chamam àquilo. E eu ali na estrada, ninguém me podia obrigar a pagar nada. Nem eu pagava nada.