Todos os domingos havia baile. Era do que a malta gostava. Eles gostavam de cantar por aí. Vinham, faziam jogos, cantavam modas... E antes de mim ainda foi melhor, porque o meu pai contava que chegaram a estar no largo 40 raparigas e só quatro rapazes. A desproporção que havia! Os rapazes, normalmente, já tinham ido para Lisboa e eram só aqueles que aqui estavam a viver. Os tais das colheres. Iam fazendo umas colheres e ganhando alguma coisa. As raparigas ficavam cá todas. Mais tarde, começaram a ir servir para casas que às vezes lá arranjavam. Mas naquele tempo, chegaram a estar 40 ali no largo.
Havia ali um tocador, a quem davam um macito de tabaco e uma bebida para ele vir tocar, senão ele não vinha. E então ali vinha a rufar! Depois, já tinha concertina, mas primeiro era um harmónico. É parecido com a concertina, mas não é nada que se compare. As raparigas com aquele toquezito, dançavam umas com as outras. Sabiam aqueles jogos. Era isso que eles apreciavam, porque no baile começavam a pedir namoro. E quando eles iam dançar duas ou três vezes com elas, diziam:
- “Olha, há ali lume vai haver fogo! Ali, de certeza que vai haver namoro. Já anda a dançar muito com ela...”
Era assim nesses tempos. Era completamente diferente. Se um rapaz andasse a namorar com uma rapariga e visse outro a dar-lhe um beijo ou agarrado a ela, os pais iam logo saber e já havia chatice. Não se podia! Ou quando havia um que as deixava era logo uma guerra, porque isto era tudo praticamente uma família. Elas estavam em cima no primeiro andar, na janela e eles estavam cá em baixo. Tantos vi eu aí nesse tempo, quando era miúdo. Elas lá em cima e eles cá em baixo. Não andavam lá agarrados uns aos outros. Às vezes, os pais delas, quando já eram crescidotas, aí de 10, 12 anos, começavam logo:
- “Oh! Não andes com esse, que esse é um malandro! Com esse não andes...”
E elas já sabiam que tinham de se afastar. Eram aqueles mais espertalhões, mais evoluídos. E os pais delas já não gostavam:
- “Não andes com esse! Ai! Não andes ao pé dele! Não andes ao pé dele que ele é assim, é assado e só vos leva para o mau caminho...”
Não é como agora. E ainda bem que assim é. Eu não sou contra, pelo contrário. Eu até acho que nós devemos gozar a vida enquanto novos, porque, depois de chegar a velho, já não nos dá nada. A pessoa já não tem energia nem forças. As pernas começam a doer, o corpo já pede é descanso. Eu já sei por mim e ainda não estou muito velho, mas também já não estou novo. Já não sou como era quando tinha 30, nem quando tinha 20, nem quando tinha 40. E, quando se passa os 50, é sempre a descair. Aos 60 está pior, aos 70 está pior, aos 75 está pior e agora não sei se chegarei aos 80. Vamos lá a ver se lá chego.