Quando a gente tinha problemas de saúde, primeiro tomava-se um chá de qualquer coisa. Para lavar um golpe, se a gente se tivesse aleijado - que se aleijava com facilidade, pois andava aí no campo - usávamos água de malvas. Cozíamos as malvas em água quente e com aquela água é que se lavava a ferida. Outros até punham mortalhas de cigarro, que diziam que também curava. Era desta maneira que se fazia. Médico não havia. Só havia um senhor que era barbeiro - o senhor José Augusto Pinto - que tirou um cursozito na tropa. Não percebia nada de medicina, mas foi tropa em Coimbra, na Companhia de Saúde ou o que era aquilo. Andou lá um ano ou dois e lá conseguiu aprender alguma coisa, a dar comprimidos e assim. Ajeitava-se muito bem. Quando tínhamos alguma coisa, íamos direitos ao tio Augusto Pinto - como a gente o chamava - e ele lá arranjava qualquer coisa que tivesse lá ou que comprasse na farmácia. A farmácia mais próxima era em Côja. Ainda hoje é assim. Não há nenhuma na aldeia. Então, lá íamos a Côja buscar o que ele receitava. As receitas não eram como agora:
- “Olhe - escrevia num papel - vá lá e compre isto.”
Não havia descontos, não havia nada. Chegava lá com o papel e eles davam aquilo que ele entendia que resultava. Até injecções chegou a receitar. Mas, coitado, aquilo era uma sorte. Se dava para o bem, dava, se dava para o mal, dava para o mal. Um homem que não tinha estudado não podia saber muito. Mas era quem safava cá. Também havia, na Benfeita, um barbeiro que era o Zé Maria. Mas esse era com uma tesoura que curava as pessoas. Uma vez, lembro-me, uma vizinha trazia uma pisadela nos pés, que criava pus com muita facilidade. Eu era miúdo, mas lembra-me muito bem. Um dia, ele cortou-lhe aquilo em volta, a pele, com uma tesoura! Digo assim:
- Ai, que este homem!
Fiquei arrepiado de ver aquilo. A maneira que a mulher foi tratada... Esse não percebia nada. O José Augusto Pinto, o tio José Augusto era barbeiro, mas sabia. Era muito entendido em várias coisas. Se calhar há médicos, que não sei... Era um homem muito inteligente. Isso sem dúvida nenhuma. Era a nossa safa. Haviam dois doutores em Côja, mas todos evitavam lá ir, porque eles levavam dinheiro. Era o doutor Adolfo e o doutor Baptista. Então, quando havia uma doença qualquer, ninguém sabia. Acho que nessa altura já existia o Centro de Saúde em Arganil. Não tinha o nome de Centro, mas já ali havia qualquer coisa. Mas para as pessoas se deslocarem daqui para Arganil... Chegavam cá mais doentes do que tinham ido para lá!
Também haviam umas senhoras que faziam rezas. Sempre houve. Houve aí uma que ainda fazia umas mezinhas, mas ela não percebia nada daquilo. Dava por dar. Era uma maneira de angariar a vida! Lá vinha uma saloia lá de cima da serra, trazia-lhe uma cabra ou dava-lhe dinheiro. Eu ainda cheguei a lá ir. Elas nem sabiam lá... Aqui era atrasado, mas lá a serra ainda era pior. E então escrevia num papel, o que ela havia de fazer. Mandava lá fazer umas mezinhas. Ir apanhar água a um cruzamento de ribeiras, que aquela água fazia bem. Outras vezes aconselhava a pôr lá umas calças:
- “Põe lá as calças do teu marido, que depois vem lá o espírito e leva as calças.”
Dizia que aquilo valia alguma coisa, mas não valia nada... Para mim, aquilo não dava nada. Era tudo falso, porque não pode ser. Não era a realidade. Era uma maneira de viver a vida. Elas traziam lá alguma coisa e ela, coitada, também não se negava. Se calhar também não gostava muito de trabalho e era uma maneira de se ir governando.