Eu pedi a várias pessoas, que pertenciam aos Pardieiros, para me arranjar emprego em Lisboa, que eu queria sair daqui de qualquer maneira. Pedi a umas três, quatro - já não sei quantos foram - quando vieram à festa da aldeia em Setembro. Uma delas era uma tia minha, que estava lá em Lisboa. Depois chamou-me:
- “Olha, tenho ali uma coisa que, para começar, já não é mau. Vais aqui para a casa de louças. É de um senhor conhecido. Vais para lá, que ele precisa lá de um rapaz.”
E então, fui. Fui-me embora para Lisboa no dia 30 de Novembro de 1948. Tinha 16 anos. Cheguei lá no dia 30, o dia 1 era feriado e no dia 2 fui logo trabalhar para a casa de louças e vidros na Calçada dos Cavaleiros. Hoje já lá não está. A casa já não é dos donos antigos, que já morreram todos. Hoje é dos chineses.
Não foi difícil adaptar-me lá. Pelo contrário! É mais difícil adaptar-se aqui que adaptar-se à cidade naquele tempo, quando era Lisboa. Agora não é Lisboa. Eu fui para aquela zona central que apanha o Rossio. Era ali na Calçada dos Cavaleiros, que vai ter à Rua da Palma. Depois, Rua da Palma, Martim Moniz, Rossio, Restauradores, tudo ali ao pé. Fui para uma zona tão boa que até apetecia viver ali! Os antigos é que sabem o que era a Rua da Palma. Foi sempre uma rua boa de negócio. É o centro de Lisboa. Aquela parte do Rossio, a Baixa, até ao Areeiro é o centro de Lisboa.
Quando fui para as pastelarias, fechávamos às duas horas da manhã. Fazer limpezas, arrumar, saía de lá às três horas. Vinha para a rua, só chegava a casa já de dia. Ninguém me perguntava de onde é que eu vinha, nem onde é que eu andava. Aquilo agora está de uma maneira que não se pode vir para a rua, à noite, principalmente. E, naquela altura, eu fazia a minha vida de andar na rua. Ia para casa quando queria. Não tinha lá o pai nem a mãe, mas nunca estrilhei! Sempre direitinho. Ao meu pai e à minha mãe nunca vieram dizer que eu que não cumpria.