Em Lisboa, comecei por levar embrulhos de louças para pessoas que vinham comprar à praça. Copos, garrafas, várias taças e coisas assim. Tudo em louça. Ganhava uma bagatela por dia. Por dia não, era ao mês que recebia: naquele tempo, eram 180 escudos por mês. Mal dava para comer! Tinha de levar daqui uns tostões que a minha mãe me tinha dado. Lá me fui amparando. Fui para uma casa onde havia vários homens daqui da terra. Tínhamos uma cozinha, onde eu fazia o comer com uma máquina a petróleo, que tinha comprado. Tinha um pratinho, uma colher e um garfo. Ia às compras a uma mercearia que havia lá próxima. Era aquela vida naquele tempo, senão o dinheiro não chegava.
Estive lá sete meses. Saí com 300 escudos por mês. 300 escudos secos, sem comidas. Como é que se podia viver com 300 escudos? Se não fosse o que tinha levado daqui, estava mal. Quando vi que aquilo era pouco, que o ordenado era pequeno e não dava para nada, e me apareceu o que eu gostava de ir fazer, que era a pastelaria, despedi-me. Quando me vim embora, já ajudava ao balcão. Fazíamos embrulhos e depois íamos entregar. Era assim a minha vida naquele tempo.
Depois, fui para pastelaria. Aí já tinha uma situação melhor, já dava para comer e beber. Daí continuei na Rua do Arco da Graça. Estive lá três anos, isto em 1948. Depois, davam-me mais na Rua da Palma, fui para a Rua da Palma. Quando me casei, já estava numa casa na Rua do Benformoso, que, por tal sinal, estava a ser explorada por minha conta. A senhora, que era viúva, exigiu-me um valor e o resto que desse a mais era para mim. Estava por minha conta. Ela disse:
- “Olha, dás-me um ”x“ e o que passar daí para cima, é para ti.”
Mas também lá não estive muito tempo. Estive lá uns dois anos mais ou menos. Depois, fui para outros lados. Quando me davam mais ordenado eu ia logo aproveitar! Estou como o outro: vendia-me por pouco! Como se costuma dizer, “quem mais dá, mais amigo é”. Às vezes, também me chateava porque isto é um bocado difícil. A gente nem sempre gosta do que nos fazem e todas as pessoas têm o seu feitio. Nem todos somos iguais. Então, quando não estava bem, mudava-me. Era o que se devia fazer sempre, mas nem sempre se faz. Às vezes os patrões vêem que um empregado não está a dar lucro nenhum e eles não os podem mandar embora. Quantas vezes acontece isso:
- “Este havia de se ir embora que só me está a dar prejuízo!”
Mas, como não pode mandar embora, tem de o aguentar. E aí é que está o problema. O empregado pode-se ir embora quando quiser. Dá um mês. E o patrão não pode fazer isso. Não sei como é que está agora a lei dos despedimentos, mas sei que é assim. Ultimamente, quando eu lá estava, via isso:
- “Pá, este cavalheiro não está a dar lucro à casa. Anda aqui por andar...”
Mas como o patrão não o podia mandar embora, aguentava-se. Nessa altura, os patrões, darem dinheiro, não davam, mas, quando tinham confiança no empregado, o empregado não tinha problema nenhum. Não havia era folgas. Umas vezes, lá davam meio dia de folga, outras vezes... Não é como agora. Quando chegava a hora de sair, enquanto o patrão não me mandava embora, eu não saía. Agora, ainda falta um quarto de hora e já estão a lavar as mãos e a preparar-se para sair. Enquanto o patrão não dizia, não se vinha ninguém embora.