Passei o 25 de Abril em Lisboa. Foi uma quinta-feira, nunca me esquece. Nesse dia, eu estava a trabalhar numa casinha na Rua da Palma e quando vim de manhã, disseram:
- “Ah, há aqui o 25 de Abril - ninguém sabia que era 25 de Abril -, uma revolução e não sei quantos. É preciso cuidado! Não se abre as portas! É melhor não abrir a porta!
Mas eu abri. E até trabalhei muito bem nesse dia. Nesse tempo já havia dinheiro. Antes houve ali um período em que as pessoas não tinham muito dinheiro. Bebiam um cafezito e um bagaço e já não era mau. Mas, naquela altura, quando já andava a guerra em Angola, já vinham pessoas com dinheiro e já se trabalhava muito bem. Mas depois foi um bocado complicado. Havia ali um supermercado em frente. Só vejo ali uns ”maduros“ a mandarem pedrada àquilo, a arrebentarem e a roubarem o que lá havia dentro. Digo assim:
- Agora é que eu estou tramado! Agora é que eu estou mal! Se eles vêm para aqui, bem me levam isto tudo!
Não tinha lá muita coisa, mas quando os vi a rebentar os vidros do supermercado - que aquilo era tudo em vidros - e a roubarem o que queriam, assustei-me. Era tudo à balda, era um descontrolo autêntico. Com o 25 de Abril vi várias coisas, umas boas, outras más. Ainda hoje continuo a dizer: o 25 de Abril teve muita coisa boa, mas também teve muita coisa má. Pelo menos no respeito. Havia muito mais respeito pelas pessoas do que há agora. Antes, não havia clientes que não pagassem a conta. Havia respeito. Era raro acontecer. Às vezes, havia uns fiadozitos. Queriam fiado. Mas, normalmente, sem pagar não se iam embora. As pessoas eram tratadas doutra maneira, até mesmo ao balcão. Podiam ter menos estudos, menos cultura, mas eram educadas. Agora, não! Agora, qualquer gajo chega ali e trata mal as pessoas. Eu cheguei a lá ter casos de me tratarem mal:
- ”Se quer, chama a Polícia! Chama a Polícia“ - disseram-me.
E uma vez chamei:
- ”Não posso fazer nada... Que é que eu posso fazer?“ - disse o polícia
- Ó senhor guarda, mas eu queria este cavalheiro lá para a rua! Só para me ele não chatear! Eu não quero nada dele! Mas queria que ele saísse daqui para fora!
- ”Não lhe posso fazer nada...“
Ora isto, então! ”Não posso fazer nada“? Ele podia-me tratar mal e o guarda não podia fazer nada. Não o podia pôr na rua. A partir daqui, já se sabe, foi pior em tudo. Mas também houve coisas que melhorámos. Melhorou bastante. Mas também piorou noutras coisas. É como tudo.