O lápis de pau, as lousas e a menina dos três olhos

A escola era em frente à capela da Senhora da Saúde, no largo sem árvores nem nada. Era grande. Eu e os meus irmãos andáramos todos na escola. Fizéramos todos pelo menos o exame da terceira classe. As pessoas que andavam aqui na escola vinham do Sardal e do Enxudro. Chegáramos a lá andar 40 e tal alunos e a ter as carteiras todas ocupadas. No ano em que eu fiz exame da terceira classe, éramos 14 a fazê-lo. Depois, ainda estive cá um tempo a trabalhar no campo até que chegasse aos 15 anos, mas já fui fazer os 15 a Lisboa.

Quando saía da escola ia-se ainda para o campo trabalhar, pelo menos no Verão. No Inverno já não dava. E muitos dos dias, ainda antes de ir para a escola, ia levar uma cesta de estrume para o campo. Muitas das vezes não ia com muita vontade mas tinha que ir, porque os meus pais me obrigavam e eu tinha que obedecer.

Quando andávamos na escola, fazíamos uns arcabuz com rolhas e uma vareta e depois aquilo dava um estoiro. Houve um que ainda foi bater com a rolha na professora e a canalhada depois ainda ficou de castigo e tudo. Às vezes levavam reguadas ali nas mãos com, chamavam eles, a menina dos três olhos, que não era brincadeira. Então as mãos ficavam ali quase que a escorrer sangue. Os miúdos também arranjavam varas grandes para pôr no quadro. Os que as levavam eram os primeiros a estreá-las.

O material que usávamos na escola era o lápis de pau, o lápis de pedra, as lousas de pedra e dois cadernozitos, um de quadrados para fazer as contas. Havia o livro conforme se ia subindo de classe: da primeira classe, ou se passávamos da segunda ou da terceira. Eu nunca comprei o da quarta, mas já tínhamos o que não há hoje na escola. Sabíamos de problemas e sabíamos de contas. Eu fazia contas e resolvia problemas. Fazíamos desenhos e tudo. Agora não. As crianças não aprendem nada na escola em comparação com o que a gente aprendia. Até à terceira classe sabíamos os rios todos, as ilhas, os reinados, sabíamos tudo isso.