Antigamente, quase todos tinham porcos. Juntávamo-nos e era a matança do porco. Matávamos num dia e comíamos todos juntos, o pessoal mais chegado. Vamos supor: nós e os meus cunhados. Depois, eles matavam, nós também lá íamos. Ao outro dia, ia-se lavar as chouriças e, à noite, migava-se a carne. Depois, enchia-se a carne nas chouriças. Davam umas de carne, outras de sangue, as morcelas, e outras que chamávamos a gente as farinheiras. Eu punha-as, às vezes, numa panela com azeite ou óleo e, cada vez que a gente precisava, ia-se de lá tirando. A outra carne era salgada numa tina. É como uma arca. Botava-se lá a carne e botava-se o sal. Os lombitos é que tinham que se vender, que era para o outro que se comprava. Pois, para o porco, para o próximo ano. A coisa que era a melhor, os presuntos, as duas pás e os lombos, que aquilo era só febra, a gente não os comia. Só comíamos os miúdos. Fazíamos as chouriças daquelas partes que ficavam. Uma vez, a minha mãe tinha um cordão e vendeu o cordão para comprar o porco. Mas, depois, morreu-lhe o porco. Nem comeu o porco nem tinha o cordão.
Agora, já é outra vida. Já ninguém mata. Já cá não há nenhum porco! É verdade, já acabou tudo. Às vezes, ainda por aí os vêm matar. Depois, uma compra um bocado, outra compra outro, outra compra outro. O mais do resto, vem cá o carniceiro vender às sextas-feiras e todos compram carne. Eu, agora, já como do Centro, já não preciso. Trazem-mo cá, como-o e, ao outro dia, levam os panelos, os termos. Mas a gente come aquilo tudo, pronto, apodrece mais depressa. A arca tira-lhe as vitaminas. Primeiro, não se comia nada congelado, nem se falava numa arca “congeladeira”, nem se falava num frigorífico.
Também comíamos peixe, mas era pouco. A quase que comíamos só carne. Só quando a gente ia à feira é que trazia para a semana inteira. Mas agora, como tem a gente a arca, ela sabe estar sempre fresquinha. Vem aí um homem vender todas as quartas-feiras. O que é, já não faz bem, porque tiram-lhe as vitaminas. O que entrar na arca, tira-se-lhe as vitaminas. Naquele tempo, não tinha arca, não se falava num frigorífico, não se falava nada. Mas agora também tenho arca. Frigorífico, é que não tenho lá, que ele estava a roer muita luz e o meu homem não gosta de estar a gastar muito.
Primeiro, fazia o pão. Mas eu agora não estou para estar lá a fazer. Ainda ficam mais caros, que os que vem vender a padeira. Antes é que nem padeira cá vinha nem nada. Isto só comia broa. Agora, há anos para cá, é que é só comprar pão.