Na agricultura é que se nota uma diferença muito grande. Nós íamos para o outro lado da terra e olhávamos para estes bocadinhos para estas terras aqui ao fundo do povo. Durante o Verão aquilo era o milho todo verdinho tudo, todos os bocados. Aquilo parecia um jardim tudo aqui por aí abaixo. Era tudo regado. Depois foi-se perdendo. Cada vez iam ficando mais bocados incultos. Iam ficando, iam ficando, até agora que só se vê um bocadinho aqui, outro além, outro além. Quer dizer é só um pequeno bocadinho que ficou em cada lado que se cultivava. O resto, o geral está tudo já com silvas. Estão os terrenos todos incultos. Isto foi uma das grandes diferenças que eu assisti daquela altura para esta.
Uma fazenda é onde se cultiva. Cada região tem o seu nome. Lembro-me que o meu pai tinha que ir para uma fazenda, em que ele só tinha água de noite e ele tinha que à noite ir tapar todos os cortadoiros. Isto é, há uma levada e depois há aqueles sítios em que cada pessoa vai regando. E ele para que chegasse lá alguma coisa que era muito longe, ele tinha que ir tapar tudo. Um bocadinho de terra, mais um bocadinho de terra. Tapar este. Quando ele chegava lá aproveitava muito mais água. Às vezes, tinha que ir com ele. Inclusive ele disse que no tempo dele não havia poça nenhuma. Tinham que andar a regar de noite, que tinham uma pequena poçazinha, uma coisa pequenina em que o meu avô regava. Depois tapava um bocadinho para fechar os olhos, descansar. Punha os pés para baixo para quando a água chegasse aos pés para ele acordar e ir botar aquele poço para ir regar. Depois o meu pai diz que não queria andar. Viu que aquilo não era bem, que tinha que andar lá a regar. Então acabou por fazer uma poça de noite, assim um tanque feito todo em rocha. Ele tirava a rocha e andava de noite lá a trabalhar e conseguiu fazer uma poça grande que durava quatro horas para regar. Depois como pensou que ainda havia de fazer mais um bocado, fez uma mina. Escavou um bocado na rocha, para levar mais água. Dava para quatro horas a regar. Então ele encaminhava para lá a água. Ela estava lá de noite e enchia a poça. Ele de manhã já ia regar e então já melhorou a qualidade de vida dele. Que já dormia descansado e ia regar ao outro dia.
Outra, também era a mesma levada, mas era só a partir da meia-noite. Então ele tinha que estar acordado até à meia-noite para depois ir botar a água abaixo. Andavam a regar noutra zona, noutra fazenda e ele tinha que lá ir só à meia-noite botar a água abaixo. Então era um sítio assim um bocado coiso. Diziam que às vezes ouviam lá barulhos. Ele, às vezes, levava um rádio. Com o rádio foi para aí em 1961/1962, quando a guerra começou em Angola. Ele foi dos pioneiros também a ter rádio. Foi o segundo cá na terra. Quando ele ia regar ou qualquer coisa ele levava o rádio que era para lhe fazer uma companhia. Ele também trabalhou muito. Assim partir a peneda, aquela rocha. Ele era muito bom para isso. E também melhorou muito as coisas. Poços que não havia em certos sítios. Aquela poça que ele fez foi um bom trabalho naquela altura. O meu avô disse que todo o dinheiro que ele arranjava foi todo para investir para aqui em terras. Até diziam que ele tinha um barrete que trazia lá o dinheiro e quando aparecia uma boa oportunidade de negócio ele tirava o barrete e tirava o dinheiro de lá e comprava logo. Nós ainda hoje dizemos:
- “Se ele soubesse o que se passava hoje para que é que ele andou a investir tanto e poupava tanto?”
Diz que vendia até o que era melhor e ele ficava com aquela parte, com o que as outras pessoas se calhar não queriam, para comer, para investir em terras. Naquela altura compreende-se. Agora é que eu comecei a perceber porque naquela altura o milho era um rendimento muito bom. Como eu ouvi que em 1950 era preciso andar dois dias para ganhar um alqueire de milho. E mais, em 1960 o que é que se ganhava num dia? Então compreendo como era útil ter terras.
As pessoas não sabem como é que se vivia antigamente. Assisti a esta evolução. Não sou muito velho, mas já assisti a muitas evoluções dos tempos.