Saí das Minas e aprendi a fazer peneiras. Há muito tempo que já estava casado, mas não sei a idade que tinha. Aprendi cá na terra com um homem que aí havia. Já morreu. Ele dizia-me:
- “Vá, faz lá isso. Faz lá essa peneira.”
Faz assim, faz assado. Lá ensinava como é que havia de fazer e eu fazia. Fazia os crivos, as ratoeiras, tudo. Depois, andava com ele por as terras. Hoje uma peneira custa aí 2, 3 contos. Compra-se cara a rede e madeira e tudo. Mas, naquele tempo, custava uma peneira 20, 25 escudos. Diziam-nos:
- “Olhe, faça-me lá uma peneira.”
Nesse tempo, não havia trigo como agora. Tudo cozia broa, tudo cozia pão num forno aqui na aldeia. Cozeu-se ali muita broa e eram precisas as peneiras para tirar a farinha. Acho que ainda aí tenho o arco de fazer as peneiras, mas já não é desse tempo. E ainda aí tenho até rede. A madeira para as peneiras vinha de Mortágua, de uma terra chamada Vale de Açores. O arame vinha de Lisboa. Quem me ensinou, tinha uma casa em Lisboa onde comprava as redes e eu comprava lá a ele. Mandava-ma vir de lá e eu lá tinha que dar também ganho a ele.
Nunca me ensinou a fazer os crivos. Um dia, eu fui pedir um crivo emprestado. Não tinha cá arame para o tecer. Fui buscar a farra para o tecido, para fazer a aranha com umas varetas de chapéus. E o primeiro que fiz ainda lhe ganhei por 20 escudos naquele tempo!
Depois, fiquei a trabalhar sozinho, por minha conta. Nessa altura, trabalhava de amolador. Amolava tesouras e navalhas. Uma vez, fiz uma viagem ao Porto e andei por lá dois meses com a roda. Era uma roda com umas rodas. A gente tinha a armação montada e, quando era para andar, levantava-se de trás e andava. Quando era para correr, baixavam-se os quatro pés, assentava no chão, lançava-se-lhe a corrente e toca de amolar. Ficava ali a trabalhar. Em São João da Madeira, estive 15 dias a trabalhar de amolador. Ia compor chapéus, amolar tesouras e compor loiça, pôr os gatos em loiça. De São João da Madeira ao Porto são 40 quilómetros. Cheguei a Vila Nova de Gaia, deixei ficar a roda e desci por ali abaixo, directo ao Porto. São dois quilómetros, lá diante ao Porto. Numa rua que chamavam a Rua de São João, vim descobrir arame para os crivos e para as ratoeiras e rede para as peneiras. Depois, comprei-a. Só a encontrei à noite. Já vinha lá da casa donde tinha comprado a rede e arame, encontrei um homem, um rapaz amigo que era conhecido, que foi carregar uma camionete de ferro para uma oficina que havia ali em Tábua. Diz ele:
- “Então, o senhor vem para aqui?”
- Pois vim para aqui.
- “Então, não quer ir com a gente?”
- Pois é. Mas tenho que pegar numa roda, que tenho em Vila Nova de Gaia.
- “Então, suba e ponha-se cá para cima. A gente passa por lá e leva-se a roda...”
Mas, nesse tempo, não se podia trazer nada nas camionetes, que era proibido. Então, ele diz:
- “A gente vai daqui à noite.”
À noite, passámos por lá e trouxemos a roda, trouxemos tudo. Carregáramo-la e viemos. Já vim mais rápido.
Depois, vim para casa, peguei na roda para a feira de Mont'Alto. Todos os anos fazia uma feira no Mont'Alto. Ia para lá mais a minha falecida mulher. Saía para lá no dia 3. Só de lá vinha no dia 8. Levava um fardo de palha, estendia-se ali uma faixa, “amaranava” uma barraca e deitava-me naqueles dias. Vendia ali sempre 100, 150 peneiras.
Mais tarde, comprei uma bicicleta e montei uma armação na bicicleta. Tocava-se um assobio quando chegava a uma terra. Tinha um assobio como o dos capadores que vêm lá para capar. É fiiiiuuu!
- “Oh, lá vem um amolador!”
Hoje, tenho um filho meu, que mora aqui ao pé de Arganil, uma terra chamada Aveia, que é amolador também. Trazia-o até muita vez a cavalo na roda. Comecei por lá a trazê-lo pequenito, pequenito.
Também consertava a louça. A gente punha um gato. Punha-os com um alicate. Era o que se podia arranjar. Levava-se 2, 3 tostões por um gato na loiça. E isto quando se não levavam 3, 4 escudos nesta loiça Vista Alegre, nesta loiça fininha, que é fina e quebra. Nem todos compunham aquela loiça. Mas eu compunha muita dessa aí. Como era uma louça cara, eles mandavam arranjar.