Eu também ia de Verão fazer a praia em Lisboa. Fui de camionete e depois de comboio. Havia uma camionete para o Monte Frio, que fazia a carreira três dias por semana, naquele tempo. Era a única coisa que havia em carreira. Depois, para Lisboa, tinha que se ir àquela carreira apanhar a camionete que nos levava a Santa Comba. Em Santa Comba, tínhamos então o comboio para ir e vir para Lisboa. Nunca tinha visto um. O meu trabalho, os meus estudos, a minha escola era só daqui para a Moura. Já não me lembro o que senti, mas penso que achei engraçado. Nunca tinha saído destas aldeias pequenas, depois, ver umas aldeias grandes e a cidade é diferente. Mas a tudo isso se a gente habituou logo. Tinha que ser. Tinha que se sobreviver, tinha que se tratar.
Fui dos 16 aos 19 anos até ir para militar, para a tropa. Ia lá três meses vender gelados e bolos na praia. Havia aí vizinhos doutras aldeias, que faziam lá essa venda. Depois, eu fui para baixo. Já estava na altura de ir procurar emprego noutros lados sem ser por aqui. Mas cheguei lá, não conseguia emprego. Não era fácil. Comecei com uns primos meus que lá trabalhavam. Disseram-me:
- “Olha, fazes desta maneira e desta...”
E lá se fazia, lá se ia sobrevivendo. Eu morava ali ao pé da corte na rua de São Bento. Tinha lá o meu quarto. Adaptei-me mais ou menos. Para mim, não custou muito, porque estava habituado a trabalhar e a andar aí a guardar ovelhas e já sabia qualquer coisa. Qualquer trabalho, fazia-o fácil. Era um tempo em que toda a gente ia para lá e tudo se governava, mal ou bem. Uns a vender fruta, outros a vender isto ou aquilo, toda a gente trabalhava e toda a gente vivia. Sem emprego, porque não havia emprego, mas em tal caso lá se iam assim governando. Sobrevivia-se melhor, naquele tempo.
As minhas praias até eram das mais fracas. Era Algés e Cruz Quebrada. Fazia essa venda aí. Mas era perto, metia-me no comboio. De manhã, ia e levava a caixa do gelado e a mala dos bolos. Vendendo aquilo, estava o dia feito. À meia tarde, às vezes, quando havia muita gente e já não tinha nada que vender ainda ia acima à fábrica da cerveja com umas duas seiras, uma de laranjada, outra de cerveja. Chegava lá, despachava aquilo rápido, quando havia muita gente e calor de Verão. Depois, estava feito, vinha para casa, para Lisboa. Ao outro dia de manhã, ia pela fábrica do gelado e dos bolos, carregava, ia para o comboio e tal e era assim.
De Inverno, fazia diversas coisas. Ia-se vender, às vezes, qualquer coisa para a porta das praças, vendia-se torneados, essas coisas de colheres de pau, aqueles almofarizes e essas coisas todas. Cheguei a trabalhar com uma roda de amolador. Os meus primos daqui dos Parrozelos era tudo amoladores. Então, de Inverno, quando dava mais alguma coisa, trabalhava lá nas ruas de Lisboa. Hoje, isso está acabado. Essa coisa de amolador terminou tudo, mas, naquela altura, ia-se sobrevivendo. Havia muito trabalho. Vinham os espanhóis trabalhar nisso três meses. Com passaporte turístico, chegavam cá, trabalhavam com a roda três meses. Éramos muitos, mesmo muitos, mas havia trabalho para todos naquele tempo. Hoje, não há trabalho para isso. Era tudo caro e então as pessoas, barbeiros e tudo, aproveitavam e mandavam afiar as tesouras. Hoje, os barbeiros já não mandam afiar as suas navalhas nem nada. Hoje, é mais prático comprar uma nova. Sempre me desenrasquei. Nunca tive patrão até aos 36 anos.