Um porco para todo o ano

Eu, quando cá estive, matei porco todos os anos. O que a gente fazia para o governo da casa durante o ano era aquela carne salgadinha na salgadeira. Distinguia-se. Era melhor que agora.

A matança era conforme. Uns faziam no mês de Novembro, outros era em Dezembro. Os mais ricos - diziam que eram ricos, porque tinham mais terras mas, coitados, eram ricos de trabalho - já costumavam matar no fim do mês de Janeiro para matarem uns porcos mais valentes que os mais pobres. Tinham os porcos melhores, mais gordos, maiores, mais bem tratados. Quem tinha menos que lhe dar começava a matá-los mais cedo. Naquele tempo, a gente apanhava os milhos que amadureciam nos campos e os nabos e dava aos porcos. Ficava com as hortaliças. Depois, quem tinha mais para os governar tinha-os mais tempo. Quem tinha menos e se lhe acabava, em não tendo que lhe dar, matava-os. É que demorava um ano inteiro a criar um porco. Ainda a gente tinha um na loja, comprava-os pequeninos. Tínhamos o que era para matar e comprávamos ainda um leitãozito. A gente começava a criá-lo com os restos das comidas que a gente fazia em casa, das hortaliças, dos legumes, das batatas. Era todo o ano a tratar dele.

No dia da matança, juntava-se a família. Começava o dia de manhã a fazer-se o almoço. Depois vinham uns homens para modo de matar o porco. As mulheres faziam o almoço. Então, almoçavam todos juntos.

As mulheres da família iam ajudar umas às outras a lavar as tripas. Depois vinha-se para casa e começava-se a atar as chouriças com aqueles cordõezinhos que já se andavam a fazer há mais tempo para dar-lhe os nozinhos nas pontas e aquilo não escapar.

À noite, desmanchava-se o porco e começava-se a cortar aquela carninha que era para as chouriças. Para se temperar, também se costumavam juntar as mulheres, as senhoras da família, para modo de ajudar umas às outras. A seguir, para se encher as chouriças, também se fazia um jantarzinho.

Eu fazia as chouriças à minha maneira. Cada um fazia à sua ou como aprendíamos com as nossas mães. A gente via de pequeno como eles faziam. Diziam-nos o que é que a gente havia de pôr e começava-se a fazer. Dali em diante, fazíamos por nós mesmos. Se a gente ainda não sabia, procurava. Eu cortava a carne e punha-lhe aqueles temperozinhos que davam gosto. Depois mexia-se ali a carne bem mexida. Deixámo-la ficar de um dia para o outro para estar a tomar o gosto de tempero. Ao outro dia, é que se começava a encher as chouriças com a enchedeira que se enfiava na boca da chouriça. Às vezes, ainda tomavam vento na ponta e era preciso picá-las com uma agulha para ficar aquela carne bem apertadinha uma na outra. Depois, pendurávamos lá no fumeiro. Ficava a pingar e a gente a fazer o comer por baixo, à lareira, numas panelas de ferro. Secavam conforme o calor que se fazia por baixo. Se apanhavam muito calor, secavam depressa. Quando acendiam o lume na lareira, enxugavam logo, no mesmo dia quase. Mas quem tinha uma chaminé para tirar o fumo custava mais, porque saía o calor para fora. Eu, por exemplo, tinha uma chaminezita. Custava-me a secar as chouriças assim, que elas levavam mais tempo a enxugar. Eu, por acaso, tinha todo o ano. Quando matava o porco, ainda tinha chouriças. Punha-as no azeite, numas talhas.