Quando era ao meio-dia, a horas de almoço - a gente naquele tempo dizia que era o jantar -, a minha mãe dava-nos comer, ia com o meu pai para a fazenda e só vinham à noite. E nós ficávamos ali em casa. Deixava-nos o lume aceso e tudo. Nós até podíamos morrer queimados lá com a lareira acesa. E eu lá ficava a tomar conta dos meus irmãos. Embalava o mais novo e o maiorzito já andava de pé. Houve uma vez que eu estava na sala a tomar conta do mais novo, a embalá-lo, e o outro maiorzito foi à cozinha. Estava o lume aceso. Ele chegou à sala e disse-me assim:
- “Ó Maria, anda cá depressa se queres ver uma fogueirona tão grande que eu fiz!”
Já ia uma chama muito alta. Os meus pais tinham um forno onde coziam o pão ao lado da casa. E tinham um costume: traziam aquela lenha a todo o comprimento – e eram muito compridas, altas - para aquecer o forno e para acender o lume na cozinha. O melhor foi que aquilo não era forrado por cima em madeira como era o resto da casa. De baixo para cima era em madeira, mas na cozinha tinha por cima esta coisa de laje, de pedra. Ora, o miúdo foi, viu lá a lenha assim no canto - chamávamos o canto - , acendeu qualquer coisa à lareira. Pôs-lhe lume e aquilo acendeu para cima. Começou tudo a arder. E eu, pequenina como era, cheguei lá:
- Que é que eu faço a isto? Agora, lança-se lume à casa!
Pensei eu. Mas fui por baixo, deitei as mãos aos troços da lenha, deitei para a lareira de pedra aquelas pontas que estavam a arder em cima e pu-la a arder. Depois, para se apagarem os troços por cima, eu ia-os chegando para o lume para modo de arderem. E eu com medo, porque tinha barrotes de madeira por cima e podiam começar a arder. Quando vieram os meus pais, eu disse:
- Ai! Olhe, o Artur acendeu o lume aqui à lenha!
- “Então, e que é que tu fizeste?”
- Olhe, deitei-a na loja. Deitei-a para baixo e depois ia-o atiçando. Conforme ela se queimava, ia-a chegando para diante, para a fogueira e ela queimou.
- “Ai! Pois podiam aqui ter morrido queimados! Podia-se ter queimado a casa e eles ficavam aqui também queimados. Não se pode assim deixar a lenha.”
Daí para a frente, já não deixavam lá a lenha “pia cima”. Quando traziam lá para o canto, já a deixavam cortada.