Estive um tempo lá em casa. Depois tinha aqui os meus padrinhos na Mourísia e eles já queriam que eu tivesse vindo para cá antes. Mas, como eu era pequenita, a minha mãe vinha para me cá deixar e eu ia atrás dela a chorar. Ela, às vezes, ia e a minha madrinha segurava-me. Eu chorava tanto que a minha mãe estava a ouvir e ainda lá voltava. E lá ia com ela. Mas depois de vir de casa da outra minha tia lá no Tojo, vim para cá. Vim com 6 anos. E então foi cá que me começaram a cair os dentes da mama. Começaram-me a cair os dentitos. Aqui me criei pequenita. Fui criada com os meus padrinhos até à idade de me casar.
Só me lembra de brincar aqui na Mourísia, apesar de trabalhar muito e ter uma vida um pouco triste, porque tinha saudades da minha mãe. Achava que a minha mãe, se eu vivesse com ela, me dava mais carinho. Mas eles queriam que eu estivesse aqui, que tinham os meus irmãos mais novos para criar. E por vezes até vivia triste, mas ao mesmo tempo havia muita gente e íamos ao mato todos. A juventude, uns mais crescidos, outros mais pequenos, tudo trabalhava logo de pequenito. Se eu aos 5, 6 anos já tinha que ir ao mato, continuei sempre assim. Em princípio, ia a minha madrinha comigo para me ensinar a roçar o mato. E eu ia assim a pô-lo de maneira que se pudesse atar nos feixes. Depois, mandava-me com as colegas mais pequenas, já mais crescidas que eu, para elas me ugarem, me porem na corda e me atarem o molho, que isso eu não sabia. E elas iam-me ensinando eu fui aprendendo com elas.
Como naquela infância havia aí muita gente, nós vivíamos alegres era quando nos juntávamos. Íamos para o mato, íamos juntos. Íamos, às vezes, para a lenha, juntávamo-nos. Quando era para o gado, também havia muita rapaziada. Cada um ia com o seu rebanho e andámos assim perto. A vida melhor que eu achava para mim era essa. Falávamos muito. Sempre convivia. De resto, era só trabalhar.
Quando andávamos com o gado, uns andavam a agarrar, outros fugiam. Chamavam-no à cisca barrisca. Punha-se uma pedra numa mão e os outros iam todos bater lá na mão. Caçavam as duas mãos fechadas. Batiam numa. Se era na que tinha a pedra, era a agarrar os outros. E se era na que não tinha nada, era a fugir. E, depois, um andava a agarrar e os outros andavam a fugir. Até que se agarravam. Deixavam-se todos agarrar. E iam para outras brincadeiras.
Nunca tive brinquedo nenhum. Quando era mais crescida, que andava a guardar o gado, é que fazia umas bonecas. Já era crescida, lembra-me que disse para a minha mãe que nunca aprendia a fazer nada, que só me ensinavam a roçar mato e a carregar lenha e estrume das lojas dos animais para as fazendas. Era tudo às costas da gente, pequenitos. Era cada carrego que nem me podia mexer debaixo. Digo assim à minha mãe:
- Olhe que não me governo só de roçar mato, de guardar gado e de trabalhar no campo. Também preciso de aprender outras coisas, porque eu um dia não me governo só disso. Eu não sei pegar numa agulha, não sei coser, não posso fazer nada. Não me deixam fazer nada, que eu que lhe estrago as linhas, que as linhas que são caras e isto e aquilo...
Só se fosse em casa, às fugidas. Então, a minha mãe falou com a minha madrinha e disse-lhe que eu que lhe tinha dito que não me governava só do trabalho que fazia. Um dia precisava de fazer mais algumas coisas e de saber fazer as coisas de casa. E que eu que tinha razão. Depois ela comprou-me um cestozito pequenino e lá me deu as linhas para eu trazer no cesto. Então, eu ia guardar o gado e já fazia umas bonecas com as minhas colegas. Fazíamos umas bonequitas de pano para nos entretermos. Não eram bonecas como agora, como as que se compram, que se vê. Era umas coisitas pequeninas. Depois que se faziam os bracitos, fazia-se os vestiditos com umas coisitas pequenitas de pano. Depois enchia-se por dentro uma bolazinha e ali estava a cara.
De vez em quando, ia aos meus pais. Ia ao Tojo uma vez por ano, à festa. Quando também era da matança do porco, vinha-me cá uns dos meus irmãos chamar para lá ir. E, se era preciso, às vezes, dar algum recado para eles, os meus padrinhos lá mandavam que era preciso. De resto, eles é que passavam por cá de vez em quando.