A minha casa quando eu era criança está toda escangalhada ali ao cimo de tudo. Tinha dois quartos. Nós tínhamos que dormir três a três. Tínhamos que nos despir cá fora para conseguir entrar dentro da cama, porque estava encostada à parede. Depois, era uma para a cabeceira, outra para os pés. Tinha uma casita de jantar, tínhamos a cozinha e outra casinha assim ao lado, também com dois quartos. E tínhamos o forno.
Não havia água em casa. Íamos buscar os cântaros da água à fonte, lá em baixo. No ano da seca, há 50 e tal anos ou mais, tínhamos que ir buscá-la longe lá para cima, para um lado e para o outro. À noute, era o nosso trabalho. A minha mãe nunca teve o feitio de andar até de noute na fazenda. Quando o sol ia, a gente vínhamos para casa. A minha mãe fazia o comer e a gente ia carregar a água para ter ao outro dia, para a gente se lavar. Mas não tínhamos banheira, tínhamos um alguidar grande. Aquecíamos a água e púnhamos no regador. Depois, uma deitava a água e a outra lavava-se. Era assim. Isto agora é um mimo. Para lavar a roupa, íamos à ribeira. Havia umas poças na ribeira, punha-se lá umas pedras e ia-se lá lavar. O detergente era a roupa a corar com sabão. Ainda não havia lixívia. Traziam a roupa a corar dois, três dias. A minha mãe e outras pessoas faziam a barrela com cinza. Esfregavam o sabão aos bocadinhos para dentro dum alguidar com água quente. Arranjavam cinza de borralha da lareira. Peneiravam, punham e deixavam a roupa ali de molho dum dia para o outro. Ficava branquinha. Até cheirava. E quando tinha vinho nas toalhas, a minha mãe esfregava as caganitas das cabras naquele bocado, deixava ficar corada, ao outro dia lavava-se, estava o vinho tirado. Há segredos assim!
Não havia luz em casa. Era com aqueles candeeirinhos pequeninos, os “piretas”, como a gente chamava. Funcionavam com petróleo. Era o que usavam, antigamente. Para aquecer a casa e para cozinhar, era a lenha na lareira, nas cozinhas e nas panelas de ferro. Naquelas panelas mais pequenas é que se fazia a comida e nos caldeiros coziam a comida para os porcos e faziam as filhós e o arroz-doce. Penduravam-se num caldeirão e era ali que se fazia, que se fritava. Os caldeiros vendiam-se na feira. Agora, vendem para pôr de exposição e essas coisas. Quando começou a aparecer o alumínio, muita gente vendeu esses cobres, esses caldeiros.