O meu pai também chegou a fazer carvão. Ele arrancava as torgas. Eu ia levar-lhe o comer e depois ele dizia-me assim:
- “Junta as torgas!”
Umas eram debaixo e outras de cima. A cova era feita redonda e depois as torgas põem-se em roda. E depois ele acendia o lume. Punha-se as torgas maiores. Depois põe-se as mais pequenas. Chegando a ponto de estar vermelho, está feito. Depois dava outra camada, e ele sentava-se lá com um pau, uma forquilha, e havendo torgas:
- “Olha bota lá, bota lá!”
E depois cavava a terra dos lados. O que é a gente tinha que escolher as pedras. Não pode levar pedras. Ia pondo, pondo, pondo a terra onde estava muito encarnadinho e eu botava a lenha. Eu gostava de lá andar. E assim era. Quando calhava ao domingo que não iam, mandavam-me lá. Se apanhasse um furadoiro derretia-se o carvão todo. Se abrisse um buraquinho na terra derretia-se todo. Fica sem nada. Depois ia ver, às vezes, já estava a moita a deitar fumo, lá ia cavar um bocadito. E ainda o trazíamos, às vezes, para a aldeia. E iam também raparigas para ganhar. Às vezes, os machos não podiam lá ir. Depois o carvão era vendido para a banda de Viseu, e para aquela zona e para a banda de Vide.
Eu ainda trabalhei muita vez com o carvão. Eu mais um meu irmão. Uma vez fomos fazer carvão para passar a ferro. Eu cheguei a pontos que tinha três ferros. A gente enchia-os de carvão. E havia fogareiros também. Havia gente que fazia o comer nos fogareiros. Esses não, mas passar a ferro passei muita vez. E quando passava mais a ferro era ao domingo. Só para casa. E tanto passava a roupa para os maiores como para os mais pequenitos. Punha nas cadeiras, ia passando e punha nas costas das cadeiras, a gente não tinha cá guarda-fatos, não tinha nada. Tínhamos uma mala que o meu pai trouxe da tropa, onde punha melhor as camisas dele, engomadas, dobradas de um lado e de outro. Tínhamos uma corda, eu ia e pendurava os cabides por ali adiante.
E para esses bailes éramos sempre uns puros. Iam para os bailes, até este meu irmão que morreu tocava acordeão. Iam para o Monte Frio, para as Casarias, Pomares, para as Corgas, para o Sobral Gordo, para o Sobral Magro, e daí vinham para aqui. Formavam umas tocadeiras e vinham para a Mourísia. Também queriam ir ver as raparigas. Era tempo bom. Mas antes de irem a minha mãe era sempre:
- “Ó filhos ide. Quero que respeitem as raparigas. Se alguém vier dizer alguma coisa, ai de vós!”
Eles, às vezes, já diziam:
- “Ela deu-nos um sermão”.
Quando nós saíamos à capela para cima ela ia sempre para a janela para espreitar a gente. Fosse rapaz, fosse rapariga. A gente também íamos, às vezes.
- “Mas ao sol posto quero-vos aqui. E a primeira coisa é irem à missa. Se eu souber que vocês não ides à missa, nunca mais ides.”